Sente-se pena quando morre alguém antes de tempo, e sobretudo alguém que, embora não o conheças pessoalmente, aprecias porque o lês ou o leste, e de vez em quando lá aparecia. Pedro Rolo Duarte morreu anteontem com apenas 53 anos, e isso dói. Leiamos esta crónica dele para o recordar neste último domingo de novembro.
AOS 12 ANOS
AOS 12 ANOS
(Crónica originalmente escrita para a revista Lux Woman em 2013)
Quando a directora me disse que a revista fazia 12 anos, senti uma 
espécie de frio na barriga. Ela nem sequer pediu que a crónica fosse 
alusiva à data, mas senti-me subitamente a rodopiar numa espécie de 
funil que me mergulhou no passado. Num instante lembrei-me que o tempo 
existia e senti-me com 12 anos.
Recuei. Voltei à entrada do Liceu de Camões e vi-me sentado numa 
carteira manhosa, num anexo meio-improvisado, com uma professora de 
inglês a perguntar-me a cor das minhas unhas. Estava na fase da aversão à
 água, e o pediatra que os meus pais consultaram terá explicado, numa 
onda revolucionária (era ainda o ano de 1976...), que há “uma fase assim
 mesmo”, os rapazes não tomam banho. O resultado foi lamentável, uma 
vergonha na turma, mas nem por isso impeditivo de alinhar politicamente e
 me empenhar nessa guerra já então perdida. Até perceber que aquilo a 
que chamavam “centralismo democrático” não era mais do que uma ditadura a
 fingir-se de democracia, andei por aquelas bandas todo contente. Mas 
não deixava de ter 12 anos. De dia, militante político e fumador dos 
primeiros SG-Filtros da vida...
... E depois de noite, em casa, inventando jornais para a família e 
criando cidades de Lego onde me imaginava bombeiro. A vida aos 12 anos é
 uma enorme confusão, pelo menos para o rapaz que eu fui: num mesmo 
universo misturam-se a vontade infantil de brincar com Legos e carrinhos
 e a convicção adolescente de que se pode fumar ou beber café, mas 
também a paixão assolapada que nos faz sofrer profundamente. Ter 12 anos
 é o maior drama de uma existência – ainda não se é mais do que uma 
criança, mas já se sente a adolescência e julgamo-nos donos da razão. 
Pior é impossível.
O outro lado deste drama é maravilhoso: aos 12 anos, uma paixão é 
mais ou menos como correr a maratona e ganhar. Falta-nos em ar o que nos
 sobra em felicidade, e a angústia tem um sabor próximo do algodão doce.
 A vida corre suavemente sobre os carris dos pais, da escola, e de um 
mapa bem desenhado. Ah, e temos muito mais direitos do que obrigações...
Mas há um drama maior quando se tem 12 anos. Chama-se, em psicologia 
barata, “a seguir temos 13 anos”. Melhor dito: é quando nos deixam de 
desculpar os 12 anos e nos cobram o que há a cobrar. É cair na realidade
 e perceber que a idade não apenas não é um posto, como rapidamente 
deixa de ser uma desculpa.
Quando, aos quatro anos, a filha mais pequenina de uma amiga diz que 
“nasceu na eternidade”, toda a gente ri, é romântico e fica bem. Quando 
eu, aos 13 anos, disse aos meus pais que “nasci com o direito a 
dedicar-me à política e chumbar o ano por faltas”, não teve graça, 
ninguém riu, e foi uma estupidez sem nome. Hoje não me sobram dúvidas: a
 vida vive-se ao contrário. Quando se sabe o que antes se devia saber, é
 tarde para aplicar o que se aprendeu. E quando nada se sabe e tudo se 
julga saber, não há como iluminar a sombra invisível. O que vale é que 
nascemos todos iguais: por mais tecnologia, internet e redes sociais que
 se criem, ninguém vai saber aos 12 o que devia saber aos 30. Nem o 
contrário. E no dia em que a nossa Lux Woman faz 12 anos, há quem esteja
 a nascer, há quem esteja a morrer. Mas em nome das velas a apagar, há 
quem tenha 12 anos e sofra o pior dia da existência porque não sabe se o
 miúdo lá do fundo da sala olhou mesmo, fingiu olhar, sorriu, ou é 
aquele perfil do Facebook que lhe pediu amizade. Aos 12 anos, o fim do 
mundo é qualquer destas coisas. E é tão bom, não foi?
Pedro Rolo Duarte
(Abril 2013)
Blog de Pedro Rolo Duarte

Grande crónica amigo Pedro e uma grande perda para todos os que se identificavam com a forma como o Pedro Rolo Duarte via o mundo e comunicava com o mundo. A ele devo saber o que é uma "Noite Branca" e alguma curiosidade por literatura russa... e muitas manhãs bem passadas a ouvir o "hotel babilónia". Aquele abraço,
ResponderEliminarAquele abraço, meu caro!
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