terça-feira, abril 30, 2019

«A Espanha é bailarina...» - António Ferro

A Espanha é bailarina em cujo peito
Tu és, Sevilha, ensanguentada flor.
Cidade onde o arco-íris cai desfeito,
Minha Sevilha bêbeda de cor.

António Ferro, citado por Fernanda de Castro, in «Ao Fim da Memória», vol. I, p.103.

«A vida...» - Fernanda de Castro

A vida sem fé é um tunel sem fim, mas sem esperança é um corredor às escuras que não leva a parte nenhuma.

Fernanda de Castro, Ao Fim da Memória, vol. I, Lisboa, Verbo, 1988, p.32'

A criança adormeceu...

A criança adormeceu nos braços do pai em pleno concerto. A paz do momento cresceu com o pequeno e sonhou ser um adulto acordado, sensível à beleza do mundo.

O pai olhou para a serenidade do rosto infantil e afagou a memória de pouco ter adormecido nos braços do pai. Crescera sensível à beleza do possível, da ausência frequente, de músicas de auto-rádio, colectâneas de gira-discos e de umas poucas k7s, compradas à volta da guerra e guardadas debaixo do banco do carro.

Terminada a actuação, ambos viveram juntos um momento único e foram tão distintos os seus sentires.

Notas divinas

Ouvem-se notas
divinas, caídas do
céu e da terra.

sábado, abril 27, 2019

O órgão toca

O órgão toca.
Deus diz: fechem olhos,
apenas oiçam.

"E nunca mais a guerra e nunca mais" - Fernando Assis Pacheco


DURANTE AS PRIMEIRAS HORAS DO 25 DE ABRIL


E nunca mais a guerra e nunca mais
e nunca nunca mais e nunca a guerra
e nunca mais e nunca e nunca mais
e nunca nunca nunca nunca a guerra


Fernando Assis Pacheco

Versos enviados para o Fundão pelo autor, a partir da redacção do jornal República, durante as primeiras horas do 25 de Abril de 1974, há, exactamente, 45 anos. Estão publicados na página nove do "Jornal do Fundão” de 5 de Maio de 1974.

E foram reencontrados graças ao livro de crónicas radiofónicas “Tenho Cinco Minutos para Contar Uma História”, lançado em 2017 pela Edições Tinta-da-China.

Eu encontrei-os graças ao Facebook, numa página dedicada ao nosso saudoso craque.

25 de Abril Sempre!!!
Fernando Assis Pacheco


quarta-feira, abril 24, 2019

Haiku do Capitão de Abril

Mordeu o lábio
o Capitão de Abril,
Salgueiro Maia.

(emocionado, para não chorar...)

Mordió el labio
el Capitán de Abril,
Salgueiro Maia.

(emocionado, para no llorar...)
Salgueiro Maia (Foto de Eduardo Gageiro)



sábado, abril 20, 2019

Descalços...


Não nos esquecemos de quem antes de nós desconheceu o conforto dos pés calçados, como os nossos avós. Porém, que os nossos filhos conheçam a sorte que é poderem descalçar-se e caminharem no areal de serem crianças...

sexta-feira, abril 19, 2019

Parentesis de céu...

"Jesus (...), o homem que abriu um parentesis de céu na terra..." - António Ferro, in «A Arte de Bem Morrer».

Não haverá...

"Não haverá talvez, hoje, escritor, no mundo, que trabalhe mais do que Ramón. Em quantidade, pelo menos, bate o «record» da literatura. Não é um homem, é uma caneta de tinta permanente..."- António Ferro

quinta-feira, abril 18, 2019

"Mirador" - Ramón Gómez de la Serna

"No es un escritor, ni un pensador, es un mirador, la única facultad verdadera y aérea: mira. Nada más."

Ramón Gómez de la Serna

quarta-feira, abril 17, 2019

Crónica: "Voz" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº148, p.76)




A democracia não silencia nenhuma voz. Permite-nos, sim, exercer o nosso direito a ouvi-la ou não. A Mais Alentejo nº148, verdadeiro exemplo de polifonia, alberga esta minha Voz. Não se ouve, mas podem ler... A não perder a nº149, já nas bancas!

La democracia no silencia ninguna voz. Nos permite, sí, ejercer nuestro derecho a oírla o no. La Mais Alentejo nº148, verdadero ejemplo de polifonía, alberga esta Voz mía. No se oye, pero podéis leer... ¡No perdáis la nº149, ya en los quioscos!


Crónica: Voz de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº148, p.76)



Crónica: "Voz" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº148, p.76)

Há um par de anos, numa conferência, alguém me comentou que eu tinha duas vozes: a portuguesa e a espanhola. Em tom de brincadeira, disse-me que soa mais sexy em espanhol. Imaginei logo o caricato que seria dobrar filmes marotos ou fazer a locução de noites longas, dedicadas aos amantes, na rádio.

O certo é que nunca me apercebi da minha voz oscilar livremente entre uma fronteira de vogais e consoantes articulada conforme o país que piso ou o interlocutor que tenho à frente. O fascínio pela voz, desde o seu tom identitário à emancipação da linguagem e, naturalmente, do pensamento, esse, vem de antes, ao frequentar um curso sobre a sua colocação e como cuidar as cordas vocais, tantas vezes enleadas no stress do dia-a-dia.

Quanto ao volume, diz-se que a voz espanhola tende a ser mais alta que a portuguesa. Remeto o caríssimo leitor para o audiodosímetro e, com toda a confiança, disponibilizo os meus filhos para o testar.  O substrato nas raízes é luso, mas o tronco engrossa em solo extremeño com algum chinfrim. 

Enfim, seja em que língua for, aguda ou grave, rouca ou sensual, é ponto assente que a voz há que cuidá-la. Sem saúde vocal, o mais íntimo dos nossos pulmões não produz fluxos de ar eficazes para falar, cantar, rir, gritar, chorar...   

A sociedade também tem as suas pregas vogais e os seus próprios articuladores, capazes tanto de eufonia como de cacofonia. Igual que o indivíduo, a voz do colectivo pode depressa mudar de tom para nos sugerir emoções de felicidade, surpresa, estupefação, rejeição, carência ou raiva.  

Vozes, há bem pouco apenas murmúrios, alçaram-se no regime constitucional e democrático de Espanha. Quem deu o mote, curiosamente, foi um sociólogo basco, Santiago Abascal, saído do PP há cinco anos para fundar o partido conservador Vox. 

Nas primeiras eleições, o Vox (defensor de fronteiras fechadas, muros em Ceuta e Melilla, deportações de imigrantes ilegais ou legais, condenados por delitos, e do encerramento de mesquitas “financiadas pelo fundamentalismo”) não chegou sequer aos 0,3%. Porém, no passado dia 2 de Dezembro, este partido, que nega ser “fascista, de extrema-direita, homofóbico, machista, racista ou xenófobo”, definindo-se antes como antipartidocracia, retirou à esquerda a maioria mantida na Andaluzia desde 1982. 

Num passado recente, a voz de Abascal, sempre de Smith&Wesson, já imitara a de Trump com tornar a Espanha grande outra vez. E, há poucos meses, “armado cavaleiro” (rejeita o espírito peregrino de Santiago em prol do de “mata-mouros”) num vídeo com outros dirigentes do Vox, cavalga à maneira da reconquista e expulsão dos muçulmanos da Península em 1492. A eloquência elegeu 12 deputados no parlamento regional andaluz.  

Por cá, a voz de Mário Machado, líder do movimento de extrema-direita Nova Ordem Social (e também condenado pelo envolvimento na morte de Alcindo Monteiro, assassinado em 1995), viu-se no Você na TV!. A conversa sobre se precisamos de um novo Salazar? gerou polémica, tal qual o plágio risível dos coletes amarelos tugas. Por enquanto, assento só na TV, porventura propulsor de assento parlamentar.

O interesse em ouvir estas vozes, remete-me unicamente para entender o porquê de cada vez se pronunciarem mais alto. Vozes de burro não chegam ao céu é pura arrogância proverbial. Por mais que o seu timbre nos desagrade, todas devem ser ouvidas. Se tal não acontecer, a afonia de ideias, coligada com a corrupção e constantes atraiçoamentos da moral e da ética, envenena a democracia.

António Barreto, num interessante ensaio, culpabiliza os políticos e as políticas. Discordo em aceitar paternalismos. Exerço o meu direito de ser sensível à voz que quero. Sim, concordo, ao enunciar ser a democracia que parece culpada, quando, coitada, pouco mais é do que um conjunto de regras de convívio e respeito

Maestros predestinados e batutas inflexíveis acabam com a polifonia do coro. Eduquemos e humanizemos as vozes, acredito, ciente disso continuar a ser um nódulo na garganta de muita gente. 

Em vez de uma voz, um olhar...


segunda-feira, abril 15, 2019

Notre-Dame arde.

Notre-Dame arde através da televisão e não é ficção. 
Como europeus (ocidentais, se pensarmos bem) não estamos habituados a renovar os nossos santuários. Pedra sobre pedra, temos a ilusão de persistir ao tempo.
É verdade que este património, aos nossos olhos, é irrecuperável. 
Sei que alguns templos japoneses, após um determinado número de anos, são destruidos intencionalmente para se voltarem a reerguer.
Como monumento, perdeu-se parte da história de Paris, do velho continente, contudo, como santuário as cinzas não mudam nada. Quem crê talvez se ajoelhe ainda mais próximo da verdade do que acredita. Um templo não são apenas pilares. A cinza, se a contemplarmos, é das mais veementes faces da desolação e da renovação. Em contacto com a terra, ou por entre fendas e pedras, cimenta pilares de natureza, flores corcundas, mas que nunca esquecerão quão belo é o altar de Notre-Dame.


Estepona

Viagem até Estepona, com paragem num pequeno «pueblo» de Córdoba, por questões de trabalho n'aCourela
Este Sul não me atrai. Não o Sul de uma Andalucía vasta e de sotaque tão encantador, como o do jovem que foi buscar garrafas milagrosas ao estabelecimento do nosso amigo Curro.
O Curro, antes de se dedicar à transformação de aloe vera, trazia mármore português para as construções andaluzas, para a febre imobiliária de Marbella, até que os peixes gordos engoliram os cardumes de minúsculos carapaus que se armaram em artistas com falsos fachos de notas no bolso. O tique de parecer ter dinheiro não desaparece com o tempo, muda apenas o peso da carteira.
Este é o Sul que não me atrai. Antes era sazonal, enchia no Verão, porém, agora, é este pousio constante de gente como uns gaiatos alemães com as colunas a bobarem a sua música com quem não a quer ouvir. 
Digo para a Elsa:
- Estou a ficar velho. Não suporto obrigarem-me a mamar com música no espaço público.
E ao lado das colunas vibram latas de cerveja e vamos vendo como se embebedam.
Lembro-me: tinha vergonha de me embebedar em frente de adultos. 
Penso, mas não digo à Elsa: estou a transformar-me num Velho do Restelo.
Não lho repito porque a vejo tão feliz junto ao mar, tão jovem como aquele Abril há quase vinte anos. 
Eu ouvia Ramstein no carro, em altos berros, mas só massacrava os meus tímpanos (ou os dela, de vez em quando). O Sul era de tenda e parque de campismo.
Hoje estou a escrever à beira de uma piscina e até tenho possibilidades de beber umas cervejinhas numa esplanada. No entanto, sinto-me muitíssimo mais pobre do que há vinte anos. Consola-me o sotaque andaluz do jovem e as histórias de vida do Curro.