terça-feira, setembro 30, 2008

O país da cunha

«Portugal é o país dos pequenos e médios favores. Fazem-se a troco de um qualquer outro, no futuro. Não vem de agora. São estes pequenos favores que criam teias de poder. Aquele poder subterrâneo que, como a economia subterrânea, vive paralelamente à sociedade. As cunhas e os favores fazem, há muito, parte da cultura nacional. Não começaram na CML nem no IPO.

Não começaram no tempo em que era quase sempre pertencer à União Nacional ou, antes, ao Partido Republicano, para conseguir um bom emprego. A "cultura do favor" nasceu, com a mesma típica bondade e desprendimento, com os portugueses dizem que "dão um jeito". A cultura da cunha é a do desenrasca, pelo qual somos elogiados em todo o mundo. A cunha é uma ilusão óptica: é o gesto pelo qual alguém acredita que vai receber algo de borla. O favor será sempre pago, com juros, ou com uma outra cunha, mais acima. Quem recebe, sempre pagará. Silenciosamente, é claro. A cunha e o favor tornaram-se os motores da nossa sociedade. Corroeram-na e, por isso, o rigor é algo que muitas vezes é impossível de pedir a alguém. Porque a sociedade portuguesa vive num equilíbrio de favores. Se um favor não for correspondido com outro, o país cairá, como um castelo de cartas. O país do favor é silencioso. Todos sabem, mas ninguém diz. E ninguém se sente incomodado por ter sido beneficiado por algum favor. Porque olham à volta e perguntam: quem é que não foi? O problema é que esta cultura necessita de ser erradicada. Para se criar um país decente


Fernando Sobral
[in Jornal de Negócios, 29.09.2008]

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