Bem-vindos, Luís dessa aprazível viagem!
E agora vamos lá à posta. Há tempos li num número da revista "Espacio / Espaço Escrito", com quase metade das páginas dedicadas ao jornalista, escritor, poeta e homem bom Fernando Assis Pacheco, que o avô materno era galego e que com algumas das histórias dele havia escrito Trabalhos e Paixões de Benito Prada (para termos o título completo é preciso acrescentar "galego da província de Ourense, que veio a Portugal ganhar a vida"). Este foi o último romance de Assis Pacheco, que morreu em 1995.
Falava-se muito bem do livro, até o Jorge Amado, vê lá. Veio-me vontade de o ler, mas não o encontrava em Portugal, ou esquecia-me dele, até que há poucas semanas fui encontrar uma sexta edição no Porto, na Lello, com o preço em escudos, imagina! (2.500.00). Agora estou a lê-lo e vale bem a pena conhecer os "trabalhos e paixões" desse galego de Casdemundo. E o vocabulário é uma delícia!
Este é o primeiro capítulo do livro:
Quando o Padeiro Velho de Casdemundo teve a certeza de que Manolo Cabra lhe desfeitara a irmã, em dois segundos decidiu tudo. Nessa mesma noite matou-o de emboscada, arrastou o cadáver para o palheiro e foi acender o forno com umas vides que comprara para as empanadas da festa de San Bartolomé.
O irmão do meio encarregou-se de cortar a cabeça ao morto. O Padeiro Velho amanhou-o e depois chamuscou-o bem chamuscado. Às duas da manhã untou o Cabra de alto a baixo com o tempero, enfiando-lhe um espeto pelas nalgas. Às cinco estava assado.
"Caramba", disse o irmão do meio, que admirava todas as invenções do mais velho, "é à segoviana!"
"Mas não lhe pões o dente", cortou o outro.
Entretanto o mais novo, regressado já do Pereiro, aonde fora avisar o Padre Mestre, manifestou desejos de capar Manolo Cabra. O do meio olhou muito sério para o Padeiro Velho. Este cuspiu enojado e decretou:
"É tudo para os cães. E agora tragam-me lá a roupa do fiel defunto, que já não tem préstimo senão no inferno."
Se perguntassem ao Padeiro Velho o que mais queria naquele momento, teria respondido:
"Assar-lhe até a memória."
"Benito Prada, filho de Filemón e Nicolasa, galego de Casdemundo, está ainda vivo em 1949 quando o generalíssimo Franco vem à Universidade de Coimbra receber o título de doutor honoris causa em Direito. Se pudesse — expressão muito sua — esborrachava-o como quem esborracha uma mosca.
Para trás ficaram os seus trabalhos e paixões: a casa pobre, o pai afiador, as poucas letras aprendidas na Meiga de Ventosela: depois o salto para Portugal, a fortuna começada com uma carroça nas feiras, os amores, a guerra, o medo, a ira, tudo envolvido pelo manto da morrinha de que não pôde nunca livrar-se.
Desses trabalhos e paixões nos fala aqui Fernando Assis Pacheco. E, recordando-se da velha picaresca aprendida nos clássicos do género, oferece-nos um romance exemplar, onde a História se transforma em estória e o humor não é mais do que uma disfarçada ternura por tudo aquilo que está vivo e mexe."
E agora vamos lá à posta. Há tempos li num número da revista "Espacio / Espaço Escrito", com quase metade das páginas dedicadas ao jornalista, escritor, poeta e homem bom Fernando Assis Pacheco, que o avô materno era galego e que com algumas das histórias dele havia escrito Trabalhos e Paixões de Benito Prada (para termos o título completo é preciso acrescentar "galego da província de Ourense, que veio a Portugal ganhar a vida"). Este foi o último romance de Assis Pacheco, que morreu em 1995.
Falava-se muito bem do livro, até o Jorge Amado, vê lá. Veio-me vontade de o ler, mas não o encontrava em Portugal, ou esquecia-me dele, até que há poucas semanas fui encontrar uma sexta edição no Porto, na Lello, com o preço em escudos, imagina! (2.500.00). Agora estou a lê-lo e vale bem a pena conhecer os "trabalhos e paixões" desse galego de Casdemundo. E o vocabulário é uma delícia!
Este é o primeiro capítulo do livro:
Quando o Padeiro Velho de Casdemundo teve a certeza de que Manolo Cabra lhe desfeitara a irmã, em dois segundos decidiu tudo. Nessa mesma noite matou-o de emboscada, arrastou o cadáver para o palheiro e foi acender o forno com umas vides que comprara para as empanadas da festa de San Bartolomé.
O irmão do meio encarregou-se de cortar a cabeça ao morto. O Padeiro Velho amanhou-o e depois chamuscou-o bem chamuscado. Às duas da manhã untou o Cabra de alto a baixo com o tempero, enfiando-lhe um espeto pelas nalgas. Às cinco estava assado.
"Caramba", disse o irmão do meio, que admirava todas as invenções do mais velho, "é à segoviana!"
"Mas não lhe pões o dente", cortou o outro.
Entretanto o mais novo, regressado já do Pereiro, aonde fora avisar o Padre Mestre, manifestou desejos de capar Manolo Cabra. O do meio olhou muito sério para o Padeiro Velho. Este cuspiu enojado e decretou:
"É tudo para os cães. E agora tragam-me lá a roupa do fiel defunto, que já não tem préstimo senão no inferno."
Se perguntassem ao Padeiro Velho o que mais queria naquele momento, teria respondido:
"Assar-lhe até a memória."
"Benito Prada, filho de Filemón e Nicolasa, galego de Casdemundo, está ainda vivo em 1949 quando o generalíssimo Franco vem à Universidade de Coimbra receber o título de doutor honoris causa em Direito. Se pudesse — expressão muito sua — esborrachava-o como quem esborracha uma mosca.
Para trás ficaram os seus trabalhos e paixões: a casa pobre, o pai afiador, as poucas letras aprendidas na Meiga de Ventosela: depois o salto para Portugal, a fortuna começada com uma carroça nas feiras, os amores, a guerra, o medo, a ira, tudo envolvido pelo manto da morrinha de que não pôde nunca livrar-se.
Desses trabalhos e paixões nos fala aqui Fernando Assis Pacheco. E, recordando-se da velha picaresca aprendida nos clássicos do género, oferece-nos um romance exemplar, onde a História se transforma em estória e o humor não é mais do que uma disfarçada ternura por tudo aquilo que está vivo e mexe."
Bestial querido amigo Pedro! Também quero ler esse livro! Eu desde miúdo (quer dizer dos meus 16 anos) que conheço esse autor, que chegou a frequentar a minha cidade e um café aqui célebre. Li alguns textos seus e um livro chamado "Apocalipse Nau" (não sei quem mo emprestou...).
ResponderEliminarQue tema, que primeiro capitulo! Agora ando a tratar de outros detalhes pós-matrimónio mas sempre há tempo para umas crónicas do Lobo Antunes e outras humorísticas...
Tenho de enviar-te um mail com mais tempo! Grande abraço!