Quando penso nesta obra (já aqui mencionada) de Clint Eastwood, “Gran Torino”, vêm-me sempre à cabeça estas palavras que compõem um belo verso cantado por Jamie Cullum, e da autoria do próprio Eastwood, para a respectiva banda sonora: “The world is nothing more than all the tiny things you left behind…”.
Creio que intelectualizar demasiado a vida tira-lhe exactamente essas “pequenas coisas” tal como a magia, ou mesmo nostalgia, que muitos de nós vamos encontrando neste peculiar mundo dos clássicos. E é isso mesmo que a personagem Walt Kowalski é, interpretada magistralmente por o célebre actor de “Dirty Harry”, um homem comum, veterano da Guerra da Coreia e jubilado de uma antiga linha de montagem da mais conhecida marca de automóveis estado-unidenses, a Ford.
O “Gran Torino” de 1972 é o elemento basilar deste filme, não pela sua estética, nem pela sua história no seio do mundo automóvel, mas pela sua enorme carga simbólica inerente à vida de um homem cheio de preconceitos, tradicional, cuja personalidade o remete para a solidão num antigo bairro da classe operária de Detroit, agora degradado e maioritariamente habitado por imigrantes do Sudeste Asiático.
As imperfeições de Kowalski não o impedem de tentar manobrar a vida, tal como o volante do seu “Gran Torino”, e de auxiliar um jovem asiático a crescer num mundo onde um gangue local semeia violência, intimidação e medo. A experiente presença de Kowalski junto ao adolescente Tao, apesar de socialmente e politicamente incorrecta, repleta de estereótipos e lugares comuns, revela-se de extrema grandeza de valores e moral num mundo degradado e segregado onde poucos têm hipóteses de sair.
E onde está o elemento clássico de quatro rodas do filme? Como pode ter um filme o nome de um carro e tratar de temas que pouco ou nada têm que ver com cárteres, pistões e segmentos? É simples após a visualização do filme, e talvez mesmo extrapolável ao nosso universo dos clássicos aqui por Portugal e pela Europa. Em “Gran Torino” existe uma clara referência a um certo tipo de masculinidade reflectida na cultura automobilística norte-americana, da qual a personagem de Eastwood é emblemática.
Mais do que um carro, o “Gran Torino” simboliza um extraordinário laço que uniu o destino de um homem a uma máquina, desde aquele famigerado dia em que Walt Kowalksi lhe colocou um braço da direcção em plena linha de montagem.
Mas como diz o célebre provérbio, “uma imagem vale mais que mil palavras”, e nada como ver o filme e desfrutar da realização de Eastwood. Acredito que consigam sentir o mesmo prazer que Walt demonstra no grande ecrã, num belo pôr-do-sol sentado na sua alpendorada, acompanhado por uma solitária lata de cerveja, a reconfortante cadela “labradora” Daisy, vislumbrando ternamente à entrada da sua garagem que a sua história pessoal apenas é o que viu, o que fez e o que será, agarrando-se à presença de um Ford “Gran Torino” de 1972.
Redigido para a revista "Topos&Clássicos (não sei se foi publicado)
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