segunda-feira, agosto 23, 2010

"De Profundis, Valsa Lenta", José Cardoso Pires


Nós somos o agora, o presente, o momento. O passado e todos os pretéritos a si inerentes são apenas uma realidade cronológica que nos permite ter memória e condicionar, pouco, por vezes quase nada, o agora. E se por ironia do destino, da genética, do passado pouco influente, do que quer que seja, nos vemos incapazes de exprimir esse presente, recordar e entender o passado, que o nosso pensamento seja um balbuciar agrilhoado a um sem-sentido de ideias, que o caos nos invada os córtex e se expanda àquilo que pensamos que somos. A OMS utiliza outras três letras: AVC, acidente vascular cerebral.
Pouco antes da sua morte, no final dos anos 90, José Cardoso Pires viveu, sem poder escrever o seu presente, com essas três letras que nos descaracterizam, limitam e nos mudam a identidade. Viveu esse presente, mas pôde regressar dessa "Valsa Lenta", desse profundo de que poucos saem. Esta obra, que se lê de uma acentada, é uma excelente oportunidade para tentar entender, melhor, nos tornar sensíveis a que ninguém está imune a esta conjugação de letras do alfabeto.

"Memória, Memória Descritiva e, daí, Memória duma Desmemória poderia chamar-se a este relato se o rigor científico me tolerasse um título de metáfora tão esguia e o gosto da escrita o não rejeitasse por exibicionismo fácil. Todavia, culpa minha, foi na memória ou na tragédia da memória que, com maior ou menor erro, concentrei o acidente vascular cerebral que acabo de redigir. Se esse enfocamento é aceitável do ponto de vista neurológico não sei, mas foi a experiência sofrida que mo ditou na interpretação forçosamente diletante em que a tentei descrever."
JCP


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