AVÉ CHEIA DE GRAÇA
Passo o cano da Walter pelo peito.
Lá fora andam soldados, ouço a voz
de alguém abrindo a casa do correio.
Quem daria por coisa tão nenhuma?
Ó palmeiras adeus. Ó pedras negras
onde ficou um rasto de borracha.
E este rio também, que me ensinava
a descerrar os olhos prisioneiros.
Estou deitado no catre. A toda a volta
eu vejo roupa, roupa em malas, e uma estante
com livros, roupa ainda, sapatilhas.
Não é desta, já sei. O cano frio
acordou qualquer coisa nas costelas.
Avé cheia de graça, e o seu ventre.
Fernando Assis Pacheco, 1964.
Em plena Guerra do Ultramar. Versos que te deixam com "pele de galinha". Uma poesia de um "eu estilhaçado". Um poema que acho que o meu pai vai gostar de ler. Ele que, ao longo dos anos, me ensinou a ter esta empatia por quem não pôde de lá voltar, ou que voltou ficando lá...
Boa noite.
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