(ilustração de Luís Silva)
A ti "Vó Lena". A quem devo muito mais do que
posso aqui expressar.
Hoje sinto-me como nesses domingos em que os meus pais me
iam buscar a tua casa. Triste, por te deixar a dizeres-me adeus à entrada do
pátio, enquanto eu, vazio, à espera do próximo fim-de-semana, me agarrava ao
pára-brisas traseiro do Fiat 127 do meu pai, e te via cada vez mais longe.
Ficava a certeza que no final da semana voltaria a ti e ao avô, ao pátio da
minha infância, à casa dos meus avós, onde sempre serei eu.
Hoje sei que não voltarei no próximo fim-de-semana.
O meu avô ensinou-me de menino
A subir às árvores a pulso, de que é feito um ninho.
Sem me esquecer que o olhar chega, sempre,
Sempre, primeiro, que todos os gestos,
Letrando, assim, o analfabeto saber do destino.
A minha avó ensinou-me de menino
A abrir livros avulso, pintados, aos quadradinhos,
Sem me esquecer as poucas sílabas (e escudos)
Que a custo juntava e a mão, que sempre, me dava
Tinham, têm, terão mais bem-querer que qualquer verso.
Os meus avós ensinaram-me a ser menino.
A sentir minha sua casa, no pátio a descansar
Em vizinhança, no portado do meu ser a sonhar,
Sem nunca esquecer que o cheiro da infância,
Respira, por aí, até que deus queira.
Coria, Valencia de Alcántara, Cáceres e Badajoz. (28/IV/13)
Ai, Luís, o que dizer em momentos como estes? Recebe um grande abraço e as palavras que escreveu o “nosso” Ruy Belo, um calafrio pelas costas. A gente encontra-se nesta semana, espero.
ResponderEliminarA PRESSÃO DOS MORTOS
Fechas a mala do carro cheia de bagagem. E de súbito apercebes-te de que não é novo o gesto. Muitas vezes o viste já repetir. A muitas horas do dia, mas nunca como num fim de tarde. Qualquer que fosse a paisagem, a mesma paisagem: a terra calcinada, o canto das cigarras, o ar espesso do vapor a provocar a rarefacção das coisas vistas e a dar-lhes um ar de miragem. Fecha-se o tampo do caixão sobre a cara conhecida para todo o sempre. Nem se levanta o problema da eternidade. Esta terra é que tu amaste com todas a contrariedades e os problemas quotidianos. Amaste homens que por vezes talvez te tenham dado na cara e eram deliciosamente imperfeitos como tu. E tiveste de te despedir deles. Já não eram daqui. Já tinham problemas de mortos. Já se falava deles no imperfeito e não no presente. Mudou um simples tempo de verbo e tudo mudou. Um último olhar a essa caixa de mau gosto. Gostarias de atirar um torrão, como em criança, para esconjurar os maus sonhos. Mas falta-te a inocência. Decisivamente, tens de fechar com força a mala do carro. E pedes que te ponham os pneus à pressão 22. A pressão dos mortos.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarLo siento, Luis.
ResponderEliminarConstruimos tumbas en el aire... allí no se está estrecho.
(P. Celan)