À Bernarda, por quem cheguei a ter bastante afecto.
A Srª. da Saúde tinha um bairro,
Onde
nasci são mas com pés de barros.
Os
primeiros passos de maio levavam-me, de mão dada com a minha mãe,
A
um rosário de contas que não entendia (nem podia saldar com ninguém)
Que,
para a minha azul retina, era rotina de velhas,
De
negros vestidos entristecidos, que se abrigavam
Na
capela de um fim de tarde demasiado alegre e primaveril.
De
ao seu lado estar sentado, lembro-me pouco.
Recordo
estar sentado ao redor de uma virgem de manto azul cerâmica,
No
lado esquerdo do altar, eu, a um ignoto Deus, mas a uma mãe imaculada
conhecida, pois era oriunda de Fátima, concelho de Ourém, distrito de Santarém,
fabricada a partir de 1917.
Eu,
indecentemente inocente, com um castiçal dourado, tipo taça, brilhante e de
alva azulada, ali estava.
(Essa
alva foi das minhas primeiras sensações de posse e de pertença. Alva infantil,
alva única para a minha diminuta talha).
Ali
estava,
Sentado,
louvando sem saber,
Polegares
e indicadores suados,
Com
fé apertando contas às dezenas.
Por
entre sinais da cruz,
Credos,
Contas
grandes à conta do Pai-Nosso,
Já
as contas pequenas, machistas, à conta da Ave-maria,
Glórias,
essas, apenas de dez em dez,
E
um final para um “God save the Queen”.
Ignoto
ego fascinado com um Jesus de férias por um mês
(personagem
filial secundária).
Ecce
Homo,
Personagem
secundária do mês de maio,
A
quem minha mãe,
Todas
as noites,
Me
ensinava a rezar.
Esse
Homem que,
De
certeza, conhecia o meu anjo da guarda,
Essa
companhia santa, que minha alma
Guardava
alva
De
noite e de dia.
A
Srª. da Saúde tinha uma capelinha,
Um
poço entre vinhas,
Onde
a Bernarda Beata Alba engomava alvas e purificava com lixivia a higiene
espiritual (e postural) de quem por ali vivia.
E
num dia de maio, do calendário da personagem matriarcal principal
(da
freguesia de Fátima, concelho de Ourém, distrito de Santarém)
A
minha alva não saiu do armário,
Enclausurada
ficou na sacristia.
A
Beata Bernarda Alba, assim o queria.
A
virgem (que tem um boneco de acção que muda de cor com a humidade relativa do
ar) não intercedia.
Nesse
dia, de maio, moço, de céu alvo azulado choveu no regaço da minha mãe.
Ao
longe, o simpático Jesus, a quem eu rezava, não conseguia pôr nenhuma cunha
para que pudesse voltar para o séquito infantil de alvas diminutas, por sujar,
de sua mãe.
O
armário da sacristia da Srª. da Saúde guarda para sempre a pureza do meu
pretérito imperfeito.
A
Bernarda Alba Beata trancou à chave angustias, madalenas, martírios, amélias e
adelas…
Trancou
à chave o catolicismo para as obras de um deus inventado para que acreditemos
desde crianças.
A
crença de alva, acólita,
Disfarçada
pelo lado gregário, obrigado e escuta,
Esteve
no altar da minha adolescência.
(Quase
sempre mentirosa, nunca pecaminosa,
Como
eu mentia a mim mesmo e os outros a mim e aos outros).
A
alva ficou fechada no armário da sacristia,
No
regaço da minha mãe verdadeira,
E
não impingida pelo mês em que nasci,
Chovia.
Desde
esse dia,
Não
há estações intermédias,
E
Deus, pela mão de Bernarda Beata Alba,
Cortou
as asas
Ao
anjo que em mim havia.
20/VI/2013
(Após uma conversa que me trouxe de volta ao bairro)
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