quinta-feira, fevereiro 05, 2015

Chove ao ritmo de um makiwara em Naha

À Elsa…

Chove ao ritmo de um makiwara em Naha

O primeiro pequeno passo para reconhecer o tempo que passou é aceitar que da dor se chega ao tutano das coisas.
Dojo vazio, pescoço suado de prática, calças gastas, amarelas em branco de linho, atadas por nós perfeitos, justos, de dedos duros e calejados, sentados no degrau do jardim. O som da chuva reaviva o chá que se bebe bem quente.
Chojun Miyagy não necessitava recordatórios dessa natureza. Fitou o espaço exterior, ordenado e calado, da sua escola. Aparelhos rudes, toscos de manejo, ajudam a educar o corpo e o espírito pela pedra.
No seu olhar ecoavam pancadas secas em madeira inchada. As suas mãos vazias calejavam uma alma sóbria, recta, generosa de raízes, convictamente fortes e firmes no agarre.
O último sorvo de chá, infusão de que toda a arte perece, mereceu-lhe a dignidade de ritual. Pousada a chávena no degrau de madeira, arranhou os dedos na parte detrás do pescoço, ainda humedecido, e cumpriu o eco do seu olhar, golpeando com secura o makiwara molhado à chuva.
A percussão de uma orquestra de punho, dirigida por este velho maestro de Okinawa, em crescendo, acompanhada pelo silêncio recatado de sua esposa. Passos curtos, arrastada marcha de cerimónia, kimono humilde com vincos nobres de princesa, trouxeram a compreensão do guarda-chuva sujeito nas outras mãos, suaves, da esposa dum velho mestre.   
Chove ao ritmo de um makiwara em Naha.
O Budo não se sintetiza na mestria de punhos, esgotada nas artroses do tempo. Também reside cúmplice nas mãos de quem os protege de treinar à chuva. 

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