Passar meia semana em Espanha e
meia semana em Portugal tem as suas vantagens. Também as tem atravessar cada
dia a fronteira para regressar e dormir no país onde nasceram os teus pais.
Compro o pão, as frutas, o café e os legumes em Portugal. O leite, os frutos
secos e os rebuçados em Espanha. Um tipo imagina-se a fazer com prazer aquilo
que antes se chamava traficar: levar de um lado para o outro o melhor de cada
sítio. As recordações são também outras formas de tráfico. De cada lado
levamos, sem passaporte nem explicações, aquilo que mais gostamos. Posso trazer
para minha casa um perfume do outro lado da fronteira dentro do meu carro, ou
uma laranja amarga e cheirosa das árvores da universidade, ou alguma mosca
viajante e monterrosiana que entra no meu carro ao montar-me em Évora e que
conduzo com cuidado até Badajoz, para dar-lhe liberdade mal paro o veículo e
abro a janela. Traficamos recordações, traficamos memória. É verdade que
acabamos por sentir-nos bem em qualquer sítio, isso é tão certo como que
acabamos por sentir-nos mal em todas as partes. Quando menos esperamos, atazana-nos
a angústia: espanhol em Portugal, meio português em Espanha. O medo é o polícia
da consciência.
Antonio Sáez Delgado, in “En Outra Patria”, p. 26 e 27.
[trad. Luis Leal]
[trad. Luis Leal]
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