segunda-feira, agosto 31, 2015

"Viver também para fazer-se" - José Luis Sampedro

“Viver também – e essa meta faço-a minha – para fazer-se. Todos se fazem, fazemo-nos, sabendo-o ou não, mas só se se tiver consciência disso se vive de verdade, de forma activa: colaborando com a vida em vez de se deixar levar. Criar-nos criando e não me refiro ao trabalho obrigatório e alienante, tão incensado pelo sistema económico para nos fazer dóceis produtores (esquecendo que no seu livro básico o trabalho é um castigo divino), mas à criação, ao esforço espontâneo nascido de nós mesmos, quer seja a escalar o Everest, bordar a cheio ou meter um barquinho numa garrafa. Criar obra realmente própria, como a morte própria desejada por Rilke, essa em que nos manifestamos inteiros: o nosso estilo, a nossa constituição interior, as paixões do nosso sangue e dos nossos nervos.
Fazer-se, sim; mas não nos fazemos sozinhos. Essa constituição e as paixões são influenciadas e até condicionadas pela paisagem e a época que nos acolheram ao nascer e, sobretudo, pelos que constantemente nos rodearam e rodeiam.”

José Luis Sampedro, in “Monte Sinai” pp.114 e 115

[Trad. Carlos da Veiga Ferreira]

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