quarta-feira, dezembro 23, 2015

Diários: Grande parte do que escrevo não dorme

Grande parte do que escrevo não dorme. Levanta-se da cama, de chinelos silenciosos, para um papel de insónia que acaba por deitar-se antes em lençóis de recordações, alguns bem amarrotados e de uma cama mal feita. Sinto falta de dormir em lençóis passados a ferro e lisos de odores de recém-feito.

Não durmo. Num berço um filho aprende a rotina nocturna. De momento, mal. Acorda, em oito meses, várias vezes por noite e eu, peito paterno, não o acalmo. Exige-se o amor de mãe em cansaço. E como é grande... O meu, esse, pura empatia ou pura inutilidade. Talvez se a necessidade a isso obrigasse, noites de pai e filho, adaptar-se-iam uma à outra, noites toscas e indiferentes ao choro mas presentes na segurança do que zela aquele que cresce.

Não durmo. Tenho dificuldade em dormir e escrevo mal para quem tem dezenas de apontamentos por concluir, por trabalhar, e que os tem aí, como este bebé, a acordar quase de hora a hora para mamar e sentir-se insatisfeito.

Não durmo. Mas escrevo. Um diário acordado. Realista de que a insónia é uma guerra perdida na almofada. Esvaem-se os pensamentos como plumas ao vento e, para quem se atreve a contemplá-los, é uma pena… Tento agarrá-los. Alguns ficam outros não. Lêem-se outros até que te acusam de iluminar a cama com o frontal da literatura nos dois dedos de testa em que se apoiam. Este pensamento está a abrir a boca. Será que escrevo para dormir? Ou não durmo para escrever?

Os defensores de que a morte é o eterno sono e derradeiro desterro, do qual não nos levantaremos para escrever, têm um argumento de peso. Até os entendo. Talvez o génio seja imune a isso. O meu génio trabalha com isenção de horário e fica rabugento, com mau génio. Vale-lhe o café, apolíneo prazer, de quem tem olheiras góticas, odeia o romantismo e sente que a cabeça pede coisas ao corpo enquanto sabe que este lhas pode dar.

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