sexta-feira, maio 27, 2016

Ar de Família (Diário 27/V/2016)

As raízes começam a tremer numa terra cada vez mais árida. A visão falha mas o toque não esconde essa tremura. Aqui estou a ser o que foram para mim, presentes. É difícil ser presente quando a distância, e a necessidade, impede verbos como o estar ou ficar. Não me sinto mal por isso, apenas sinto o que vivo.
Ao lado do meu pai estava um senhor nascido em 1927. Na escuridão de pupilas dilatadas falámos de como o hospital foi uma obra embargada durante décadas, de como tudo era um descampado até que a vontade edifica para paliar a necessidade. Gota a gota, entrava uma enfermeira que nos tratava com a dignidade pouco habitual num sistema de saúde que divinizou os discípulos de Hipócrates.
Gota a gota, dilatou-se um dia em que fui filho, pai e, cansado e talvez alérgico, esse presente tão carregado do pó levantado ao percorrer a aridez do caminho.
Mas a visão também só chega até onde o corpo o permite. Fanhoso, com tosse, dei graças por ter um "Ar de Família".

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