Como qualquer superfície de mármore, era preciso ter cuidado para não se escorregar. Mas sempre os sentidos se alegravam por ali passarem.
Optava por lavar todas as escadas de joelhos. Do rés-do-chão ao segundo andar, a senhora da limpeza, de quem nunca soube o nome, era tal qual a sua mãe que anos antes lavara a mesma escadaria na mesma incomodidade de genuflexão mas deixando como herança o brio e o hábito do esfregão e do sabão azul.
Hoje escorreguei na brancura do mármore desta lembrança da Rua da Cal Branca. Escorregámos. Nunca subi essa escada sozinho porque lá em cima alguém me esperava sem necessidade de avisar.
A senhora já me conhecia, o plátano lá fora também. Fazia questão de me receber com o acto cerimonioso de interromper o seu labor para que passasse e não escorregasse na humildade da sua existência. Creio que assim o pensava.
Eu não. A gratidão que tenho pelo seu gesto é presente como tento pisar com cuidado e reconhecimento o trabalho prévio dos outros. O sorriso é o do jovem apaixonado já então lhe reconhecia o mesmo azul dos olhos e longo cabelo da sua princesa.
Hoje as escadas da Rua da Cal Branca voltaram a ser subidas a vários anos e quilómetros de distância. Lá estava a senhora de joelhos a lavar com sabão azul o mármore dos nossos passos.
Cumprimentámo-la e fomos cumprimentados como se ontem por lá tivéssemos passado. Ela olhou-nos e soube que a sua dignidade ia ali connosco. A da sua mãe também. No nosso caminhar há a brancura do seu esforço, agora o nosso esforço.
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