sábado, setembro 10, 2016

Tenho bem presente a imagem do meu tio Manuel a dormir no palheiro com a espingarda ao lado. A necessidade de proteger o que plantara, o que cuidara, o que aprovisionara para dar de comer à sua família, justificava esta imagem que não gostaria de um dia ter de reencarnar.
A vida de pequeno agricultor, de ganadeiro, de pastor, não é nada bucólica como o poeta nos faz crer.
Não está assim tão longe o tempo em que o senhor feudal exigia o tributo e parte da colheita. Em tempos de PAC, de campos subsidiados, os roubos de produtos agrícolas estão ao nível do carjacking de marcas de altas gamas.
O meu tio protegia o seu trabalho de um acampamento ilegal na sua propriedade. De ciganos que andavam a rondar para ver o que podiam mangar (lembro-me bem e não cairei num registo correcto politicamente se não o é com o que vivi). O peso do Ultramar pesava-lhe no passado e ajudava-o a assumir a arma carregada e um possível apontar em legítima defesa. Era assim, a sua geração é assim.
Lembro-me tanto dele, e da quinta da infância das minhas primas, porque hoje parte de nós cá em casa deposita no campo a esperança de um futuro familiar sustentável. No entanto, proliferam os roubos nos olivais, amendoais, montados de sobro, até mesmo vinhas, numa total impunidade.
Quem me diria que o azeite, e a sua modesta azeitona, ascenderia ao estatuto de produto de luxo e emblema ibérico da gastronomia “gourmet”? Torradas de azeite, pão com azeitonas, refugados, etc., eram coisa de pobre e hoje este óleo natural é ouro líquido.
Parece que a influência do mediterrâneo chega até onde encontrarmos oliveiras plantadas. É uma imagem bonita de se pensar, bem mais idílica do que a de um homem guardar o suor do seu trabalho à ponta de escopeta porque a lei não o protege.
Hoje à tarde estava a passar na televisão, num desses canais reacionários, uma sessão de cinema Western. Bud Spencer, Terrence Hill, Djangos, Clints, Waynes e afins defendiam-se assim até chegar a mão da lei, em forma de Rangers, Xerifes e “Deputies”… O campo não tem portas e, apesar de parecer esquecido, votado à desertificação, não se protege minimamente na memória da cidade. Vamos ver como será quando houver uma crise da batata… Vai-se descobrir que não nasce empacotada. 

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