quarta-feira, novembro 23, 2016

Évora, a terra da alma (30 anos, Património da Humanidade)

Apercebi-me de Évora ser o que é quando tinha 5 anos. Estava um senhor, creio que funcionário camarário, debaixo dos arcos, esfregando a escova áspera palavras já suaves de ordem dum pós-revolução. Aquilo custava-lhe imenso, e à minha curiosidade também, mas via como cuidava com brio o granito histórico da minha cidade. “Vem cá a Rainha de Inglaterra” disse meu pai à minha estupefação em frente do escadote aberto em hora de expediente. Sem grande ruído nem furor, esse foi primeiro contacto que tive com um argumento shakespeariano, com uma figura da realeza sem ser a dos contos dos irmãos Grimm. Há tanta luminosidade nesta minha recordação... na minha cidade…

Aprendi com Claudio Rodríguez que todos levamos uma terra dentro, que nos alenta, que nos acusa e que nos salva. É a terra da alma.

Nasci ali e em mim habita cada rua, cada casa, cada passo, saltos e trambolhões, cada eborense guardião desse templo de capitéis de luz ao qual regresso tantas noites em sonhos. Ali me ajoelho, leal à sua história, apesar de Évora não mo permitir. Em solo com reminiscências feudais, esta cidade, erguida por três culturas, ensina-nos a dignidade de, no latifúndio do espírito, mandarmos apenas nós.


Há 30 anos atrás, atribuiu-se-lhe o estatuto de Património da Humanidade e de ponta-de-lança no que respeita a atribuições deste tipo no Alentejo. Envaidece-me essa espécie de “Liga dos Campeões” da UNESCO. Porém, para quem se sente eborense, é o seu andar, caminhar, passo a passo, pela vida da cidade, o verdadeiro património, para mim, bastante mais imaterial que material.

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