segunda-feira, fevereiro 06, 2017

Para bem e para mal

Podemos não gostar de alguém por o que essa pessoa representa aos nossos sentidos. É verdade e sei ter algumas animosidades desse tipo, não me cheiram, não me inspiram confiança ou o puro estilo dum conhecido meu que diz não gostar da obra do Miguel Delibes por este ter sido caçador (talvez também por ser de Valladolid). Esqueci-me de lhe perguntar se também não gosta do Hemingway, do Torga e de mais algum, como eu, com a carta de caçador no curriculum literário e não só.
Não escondo o passado caçador presente nos genes leais ao sangue materno, nem o facto de já ter acabado com a vida de vários animais ao volante do carro fortuito mas nunca com pólvora e chumbo apontados a uma vida. Se o tiver de fazer, fá-lo-ei para me alimentar, ou os meus, porém nunca o farei como desporto. Esta atitude, desde o meu ver, é um ato de respeito pela vida sem ser demasiado hipócrita com a vida que levo.
Este meu conhecido vê esta atividade típica do mundo rural com as dioptrias da cidade, minadas de exemplos bárbaros camuflados de desporto cinegético, e não lhe retiro alguma razão. Pena que fica por aí. Não enxerga a dignidade de bater terreno, esperar pela presa que levará presa ao cinturão, a arte da companhia dum cão, e em casa depená-la, esfolá-la, prepará-la como refeição muitas vezes para matar ou paliar a escassez de alimentos. 
Aqui não há só santos ou pecadores, bons ou maus valores, há a realidade da natureza animal e humana. Com o passar dos anos, cada vez entendo melhor porquê atacava cartuchos com o meu avô João, porquê me ensinou a respeitar primeiro o perigo e depois a utilidade duma arma, porquê aprendi a manejá-las mesmo sem querer usá-las. Sobreviver ensina-se sobrevivendo. Não me esqueço disso tal qual como não me poderei esquecer dos valores transmitidos pelos calos nas mãos cuspidas, valor de como a dor e sofrimento se convertem na nossa própria carne. E eu sou Leal. Para bem e para mal.

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