quinta-feira, maio 25, 2017

Todas as Quintas-feiras da Ascensão, a minha avó Helena ia ao campo apanhar um ramo de espiga

Todas as Quintas-feiras da Ascensão, a minha avó Helena ia ao campo, muitas vezes ao descampado entre o pátio e a linha de caminho de ferro, apanhar a espiga. Toda a vida vi um viçoso ramo de várias plantas, composto por uma espiga, um malmequer, uma papoila, um raminho de oliveira, videira e alecrim, atado por uma linha de coser e pendurado na parede da sua cozinha, exactamente no mesmo prego onde o meu avô João pendurava o calendário anual da espingardaria, na qual se munia de cartuchos para a caça, e pelo qual ambos organizavam os seus dias.

Lembro-me de ir à espiga sem entender a tradição do ramo que compúnhamos. Nunca mo explicaram, porém, aprendi a sua simbologia no pão que nunca me faltou, na fortuna de tempo que comigo gastaram, no amor incondicional que me deram, na candeia que iluminou as minhas noites, nos sorrisos e nas gargalhadas cúmplices de ser imperfeito e na gratidão pela saúde e força com que me puderam ver crescer.

Abundância, alegria, saúde e sorte, quem não as deseja? À frente da minha casa tenho um descampado onde posso encontrar tudo o que é necessário para compor um ramo de espiga como os da minha avó. Muitos não têm, nem tiveram, este privilégio. No entanto eu cresci, tenho mesmo certificados que o atestam, e já não vou à espiga.  Deveria envergonhar-me e não me desculpar com a falta de tempo desta minha vida dita “moderna”… 

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