quinta-feira, junho 01, 2017

Eu cá não sou supersticioso, mas, pelo sim, pelo não, deixa-me lá usar o meu amuleto da sorte...

Ter superstições não é algo que me caracterize facilmente, mas sou um pouco como a canção dos Heróis do Mar, "eu cá não sou supersticioso, mas o pai dela dá-me azar". Tampouco me reconheço demasiado supersticioso, desses dos gatos pretos, escadas abertas, ou horóscopo consultado diariamente, no entanto tenho as minhas manias, algumas partilhadas com a Elsa, outras herdadas dos meus pais e dos meus avós. Vou tentar enumerar umas quantas e analisar-me enquanto me escrevo.
Não conto os sonhos antes de comer qualquer coisa de manhã. Gosto de arrumar os chinelos ao fundo da cama. Respeito o pão e não o ponho de cabeça para baixo na mesa. Evito abrir guarda-chuvas dentro de casa. Não digo a frase «cheira a terra molhada». Ponho a decoração de elefantes de cu virado para a porta e tenho uma tacinha de sal que reponho para limpar o ambiente energético cá de casa.
Estas são algumas das minhas pancas, todas herdadas e adaptadas às minhas vivências. Na verdade, só tenho uma superstição inventada por mim. Tem por base um objecto de afecto convertido em amuleto de coragem, a navalha do meu avô João, gravada na Suiça por um dos seus amigalhaços da caça. Sempre disse que seria para mim e já me acompanhou e deu segurança em momentos em que qualquer das minhas navalhas não o fariam. Muitos desses momentos implicavam alguma exposição pública, alguma intervenção com necessidade de parecer formado e inteligente e foi a navalha do "Ti João" quem me trouxe sabedoria de vida e não de letras. À navalha juntei-lhe o relógio de bolso e a corrente. Dou-lhe corda muitas vezes à noite, antes de me deitar, e sinto uma união material, humilde mas pragmática, com ele.
«Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia», aprendemo-lo de Shakespeare, e eu, que não acredito em bruxas, dou-lhe razão. A minha filosofia não tem grandes alicerces racionalistas, tem mais raízes de fé, e hoje escrevo e assumo que tremo de lembrar a roda traseira do nosso jipe explodir a metros de casa após quilómetros na autoestrada. Não temos nenhuma medalha do S. Cristóvão como tem o meu pai, acho que há para lá um pequeno Buda dado por um dos poucos chineses proprietários de Lojas da China que conheci, ainda estudávamos na universidade. A quem é que devo agradecer este rebentar desagradável que não passou disso, desgradável?
Eu cá não sou supersticioso, mas vou dar graças a Deus, vou mudar o sal da tacinha e esperar que o mau-olhado seja só a merda de conjuntivite do remeloso do meu olho esquerdo...

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