domingo, outubro 01, 2017

"Tudo boa gente!" - Crónica de Luis Leal "in revista "Mais Alentejo" nº140, p.34)

Eu cá não sou faccioso, mas, aqui do outro lado do Guadiana, escrevo (como se estivesse no notário) que toda a malta de Almendralejo são boa gente, tal como todos os adeptos do Atlético de Madrid! É aquilo que sinto, logo nunca será ciência, é consciência, cada um tem a sua e a minha não se importa de generalizar, graças a anos de vivências de todo o tipo, felizmente a maioria bastante prazenteiras e engraçadas.  

O caso de Almendralejo nada tem a ver com a sua toponímia de terra de amendoeiras, devo a generalização a muitos colegas e amigos a quem atribuo qualidades da árvore que lhe deu nome: rusticidade, resistência à dureza do solo e sabor autêntico. Este pessoal, por vezes visto como abrutalhado, é duma autenticidade, duma genuinidade, que só encontra paralelo nos meus amigos de coração “colchonero”. Para quem não sabe, este é o nome que se dá aos adeptos do Atlético de Madrid, pois o seu equipamento listado vermelho e branco tem o mesmo padrão dos antigos colchões, muitos deles bastante humildes e com enchimento de palha. 
  
Assumo a minha simpatia merengue graças ao CR7 e às suas “micoses/psicoses” a fazerem comichão ao ser português sem medo de existir, no entanto foi o Atlético de Madrid a primeira equipa espanhola à qual dediquei atenção e carinho de criança. Tudo graças a outro português que bem podia ser almendralejense pela sua originalidade. Um português com um corte de cabelo confeccionado no Montijo (o do Barreiro e não o de Badajoz), montado num Porsche amarelo, que, passadas duas semanas de viver em Madrid, já tinha sotaque espanhol. Qualquer amante do desporto-rei sabe que me refiro a Paulo Futre, cuja genialidade indisciplinada o impediu de entrar no panteão das bolas de ouro, mas cuja personalidade já faz parte da história do futebol (e do humor português).

O Atlético de Madrid era o seu clube e eu, que nunca soube nem gostei de jogar futebol, via os meus amigos do bairro a imitarem as fintas (e o corte de cabelo) enquanto jogavam nas balizas improvisadas de madeira (subtraída duma qualquer obra das imediações) ao som do próprio relato de viva voz: “lá vai Futre, a driblar endiabrado, e é um, são dois, três, quatro e GOLO!!!”. Fui um puto feliz, mesmo sem saber jogar à bola, nem ter tacto para ir à baliza. Essa época marcou-me os gostos de adulto e quando vejo o “Atleti" jogar, a garra do Cholo, os seus jogadores a suarem a camisola “colchonera” (com um finado ex-presidente, Jesús Gil y Gil, que bem podia ser uma personagem do “Prison Break”, a falar ao telemóvel desde a comodidade da prisão), não sou capaz de escapar ao ambiente de clube de bairro, genuíno, para o qual esta equipa de Madrid me remete.

Também recordo Futre a jogar nos três grandes de Portugal. Formado no Sporting, brilhou no Porto e pouco jogou no meu Benfica, onde as lesões só lhe trouxeram uma Taça. Certifiquei-me disso, há anos, numa larga espera, num qualquer posto de correios do Alentejo, onde tive à mão a sua biografia, “El Português”, lida entre nostalgia e gargalhadas.

Paulo Futre continua muito ligado ao “Atleti", escreve no desportivo “Marca” e é um embaixador do futebol luso em Espanha. Porém, não entendo porque motivo em Espanha não se fala mais sobre a 1ª Liga portuguesa. Não interessa, a não ser pontualmente. Impera a “Premier”, o “Calcio”, a “Bundesliga”, até a “Ligue 1”!


O mesmo se passa com a política portuguesa. Os media de referência não fazem a cobertura de entendimentos históricos entre partidos que permitem a formação dum governo. Incêndios, cataclismos ou a Eurovisão põem Portugal num meio de comunicação de Espanha, mas uma “geringonça” é um conceito difícil de traduzir para uma língua que, historicamente, custa pôr-se de acordo. Castelhano ou espanhol?

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