domingo, dezembro 03, 2017

Ladeira da Boa-Morte (para João Leal)

Neste domingo, 3 de Dezembro, abriu-se-me uma ferida amável que jamais conhecerá tacto de cicatriz. Hoje despeço-me do homem a quem nunca escondi querer imitar na tentativa de um dia herdar uma sabedoria sem letras, porém doutorada com a força da curiosidade e da teimosia do espírito.  Hoje despeço-me de alguém a quem tanto devo e juro lealdade.
Sempre me custou despedir-me de ti. Dizer-te adeus e deixar-te para trás com a avó a acenar-me. Sempre me vai custar, avô. Prometo-te. Não vou parar. Enquanto puder, não vou parar.

O teu Ganhão.


Ladeira da Boa-Morte


(para João Leal)
O seu avô
conquistou
à força do pedal
anos em corrente
a ladeira da
Boa-Morte

Tantas conquistas diárias
irritaram a velha ceifeira
a ver uma pedaleira
encostada a um rodapé
duma casa humilde
mas teimosa de sustento

De pé
as últimas palavras que lhe disse foram
Neto, não se pode parar. Não posso parar.
Com esta idade
enquanto puder andar...

Depois vieram outras rodas
As da cadeira
As da cama articulada
E à beira a velha segadora
castiga a ousadia
ceifa as pernas incansáveis
deste sobreiro enraizado
num montado jovial e atrevido
Agora a secar lento de agonia

Até tombado no chão ele o ensina
Neto, se venceres a morte em vida
a magana vem e vinga-se.


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