sábado, março 31, 2018

Ao ouvir as mãos cúmplices dum distante piano, pergunto:

Ao ouvir as mãos cúmplices dum distante piano, pergunto:

Porque é que a alegria fez questão de rimar com a melâncolia?

A música não se interessa por respostas. Apenas me continua a acompanhar.

A friend's journey is always part of your own journey... (Photo: Jorge Rosmaninho Neto, Switzerland, 30/III/2018)

A viagem daquele que é teu amigo, também é parte da tua viagem.

O Jorge tanto deixa pegadas na areia do deserto, na neve vigiada pela alta montanha, como transforma em pó os torrões do barro que nos moldou alentejanos.

Fá-lo ao lado de quem escolheu, de quem o fez erguer uma casa arquitectada em traços de uma nova língua, materna para o seu filho, como paterno é o seu legado português.

A vida daquele que estimas, também é parte da tua vida. Não te esqueças. Tu que hoje escreves. Tu que, por acaso, até estás a ler isto.

ele por ela, ela por ele

ele

ela
esquecer o
nós
e usar
apenas o
eu

ela
usa o
eu
pelo
hábito
pela
rotina
de ser
apenas
ele
quem
liga às
palavras

fica ela por ela
ele fica por ela

e como sempre
liga ao que sente

e usa nós para atar
os cabos soltos nestas
sintáxes erradas do que deveria

ser

uma primeira pessoa

sexta-feira, março 30, 2018

“O Olmo do Cáucaso” – Ryuichiro Utsumi (Adaptação de Luis Leal)

“O Olmo do Cáucaso” – Ryuichiro Utsumi (Adaptação de Luis Leal e imagem de Jiro Taniguchi)

Chegou o dia em que se ia cortar o olmo. A madrugada ainda se vislumbrava nas cores primárias da manhã.

- Bom dia. Como não conseguia descansar acabei por vir demasiado cedo, sei que é um incómodo, peço-lhe imensa desculpa. – Apresentou-se, com uma vénia, o Sr. Yaguchi.

- Não incomoda nada. Faça o favor de entrar. – Disse com amabilidade o Sr. Harada.

Os dois homens sentaram-se no corredor que dava para o alpendre exterior e tomaram um chá. A conversa era pouco fluída, ao contrário da última visita dias antes. Em silêncio, dirigiam o seu olhar em direcção ao olmo. A brisa acompanhou-os.

O olmo erguia-se com firmeza como se empurrasse o céu nublado e os contemplasse, em pequenez, desde lá de cima. Porém, mesmo sendo um gigante, via-se conformado com o seu destino, sereno e sabedor do seu final.

- Aquela árvore já aqui estava antes de construirmos a casa. Não sei quantos anos terá, mas há trinta anos já tinha esse especto. – Recordou o Sr. Yaguchi.

- Então já aqui estava quando não havia nem uma casa neste lugar e ainda tudo era campo e floresta? – Retorquiu o Sr. Harada ao antigo proprietário da sua nova casa.

- Sim, é verdade. Quando o Verão chega, as folhas crescem em abundância e espessura, projectando uma grande sombra. Uma sombra tão fresca que gira como um relógio de sol e vai cobrindo toda esta zona. E quando se aproxima chuva, toda a árvore fica com o reverso das folhas esbranquiçado e avisa a sua chegada com um alvoroço que jamais esquecerei. Quando as gotas de chuva deslizam pelo tronco para depois caírem, a casca castanho clara da árvore vai escurecendo por causa da humidade. Ao mudar o seu rosto vai-nos indicando a quantidade de chuva caída.

O idoso continuou a falar debaixo da sombra cúmplice do olmo, enquanto o seu anfitrião o ouvia com serenos sorvos de atenção.

- O olmo já aqui vivia antes de nós. Foi depois de eu para aqui vir que outros começaram a construir as casas ao seu redor. Apesar de isso, mesmo que as suas folhas caiam, tratá-lo como um incómodo, como uma chatice, é um sinal do egoísmo das pessoas que chegaram depois. Quanto à limpeza dos algerozes, se for uma família normal, deveriam fazê-la todos os anos, mas a limpeza da entrada e do quintal é algo que se deveria fazer diariamente. Se não caem as folhas do olmo, não limpam ou quê?

O Sr. Harada assentiu com um misto de tristeza e humor, enquanto o idoso continuou, tão honrado quanto as intenções do chá que partilhavam.

- Era o que eu sempre argumentava! É por isso que entre a vizinhança me chamavam o velho teimoso!

Ao ver um ligeiro sinal de indignação nas palavras do seu convidado, o Sr. Harada apressou-se em tranquilizá-lo.

- Não, por favor, não diga isso. Estou totalmente de acordo consigo. Odiar as folhas de uma árvore só releva que nos esquecemos do que é viver com a natureza. É uma atitude presunçosa...

Ao afirmar isto, estava a entrar-lhe vontade de começar a fazer parte do grupo dos velhos teimosos. Porém, quase em simultâneo, as caras severas das vizinhas e o olhar crítico dos seus próprios filhos vieram-lhe à mente para se desvanecerem ao ouvir, à entrada do seu quintal, um sonoro bom dia.

- Bom dia!

Era o encarregado da empresa “Jardins Tatsu”, acompanhado por três homens fortes que consigo traziam equipamento de corte e abate de árvores.

- É uma árvore bastante mais majestosa do que imaginava. – Comentou um dos três homens ao tocar e percorrer o tronco com o olhar.

Num gesto lento, mas decidido, o Sr. Harada desceu o pequeno degrau que o separava do seu quintal e dos operários encarregados de cortar o olmo.

- Peço desculpa.

As suas palavras despertaram a atenção do encarregado, o mesmo homem amável e atencioso que, nos meses anteriores, tivera a tarefa de recompor o jardim à sombra da árvore que agora iria cortar.

- Sinto muito dizer-lhe isto depois de já ter todo o seu trabalho organizado, mas... já não quero cortar a árvore.

O encarregado correspondeu com um “ah sim?” liberto pela sua boca.

- Não se preocupe que vou compensá-lo bem. Não se importa de dizer aos seus homens que podem ir-se embora?

Visivelmente aliviado, o encarregado dirigiu-se ao Sr. Harada de maneira a que os demais o ouvissem.

- Para ser-lhe sincero, odeio cortar árvores.

Não foi necessário perguntar o porquê desta confissão a um homem cuja profissão tanto o leva a plantar como a cortar todo o tipo de plantas.

- Elas têm alma. Por isso estão sempre a ouvir as nossas conversas e esforçam-se por nos agradar. À frente de uma árvore que não dá frutos, ou cujas flores não têm uma cor bonita, se dizemos que a vamos cortar porque é má e não corresponde ao que dela queremos, no ano seguinte produzirá maiores frutos ou flores mais formosas, como se se estivesse a emendar do seu comportamento anterior. No fundo, elas também têm coração.

Desde o pequeno alpendre, a Sr.ª Harada e o Sr. Yaguchi juntaram-se à sombra do velho olmo.

- Agora já entendo. – Disse o Sr. Harada. – O motivo porque os ramos brotaram tão belos este ano, foi a forma do olmo, com todas as suas forças, chamar-nos à atenção.

O silêncio foi assentido momentaneamente por todos, olmo e homens, homens e olmo, até à sentença final do Sr. Harada.

- Enfim, se continuam a dizer que este olmo é uma chatice para a vizinhança, eu mesmo me encarregarei da limpeza dos algerozes!





domingo, março 25, 2018

"J. Paulete" por Luis Leal (in "Rayanos Magazine")




“Habitar” crónica de Luis Leal (in "Rayanos Magazine")

J. Paulete

Já alguma vez se sentiram amigo de alguém antes de o conhecerem? Com as amizades à base de botão de Facebook, isso é mais do que frequente, no entanto a esta pergunta apenas tenho encontrado casuais respostas no meu quotidiano analógico de coisas simples.

Há uns anos atrás, encomendei um livro no centro histórico de Badajoz. Até me lembro do título, mas isso não vem ao caso. Poderia ter encomendado o livro pela net, porém estava numa daquelas fases de resistir ao facilitismo em prol do contacto humano numa das livrarias mais agradáveis e dinâmicas que conheço. Chegado o livro e contas feitas, o dono da livraria deu-me a escolher uns quantos desenhos – aquarelas em quadrados de papel reciclado dum programa duma tal Aula de Poesía Díez Canedo -. Trouxe o Albert Camus, quiçá uma homenagem inconsciente por não ter sido capaz de terminar a sua Peste. O obséquio, mais do que a simpatia do proprietário da Tusitala, era a amabilidade dum desconhecido a oferecer a sua arte, o seu tempo em esquissos, aos leitores que haviam decido comprar um livro ao vivo. Assinava: J. Paulete.
"Albert Camus" por J.M. Paulete

Durante bastante tempo, a aguarela figurou na parede da nossa sala, ao lado dum azulejo do Pessoa com a seguinte inscrição: pergunto a mim próprio devagar, porque sequer atribuo beleza às coisas... Eis outra pergunta a encontrar respostas precárias nesse meu quotidiano de coisas nada rebuscadas.

Foi a confiança do Antonio Sáez que me apresentou aos directores dessa tal Aula de Poesía Díez Canedo de Badajoz. O meu caríssimo (e crítico literário) Enrique García-Fuentes e, imaginem só, esse desconhecido J. Paulete, cujo retrato do existencialista francês por lá existia, pendurado na minha casa.

Para quem não sabe, como eu não sabia, a Aula de Poesía Díez Canedo, iniciada por o incontornável sanvicenteño Ángel Campos Pámpano, é uma autêntica referência cultural transfronteiriça. Uma aula unicamente dedicada ao género poético, que, ao longo dos anos, já acolheu mais de 150 grandes nomes da poesia ibérica. Esta iniciativa conta com o apoio da Asociación de Escritores de Extremadura, com várias Aulas de Literatura análogas em outras localidades da comunidade autónoma, e da Diputación de Badajoz. Quanto a mim, e já mais de uma vez o expressei, esta aula de poesia pacense seria uma justa merecedora do Prémio Eduardo Lourenço, instituído pelo Centro de Estudos Ibéricos, contudo não faço a mínima ideia se uma candidatura deste tipo seria viável.

Ao colaborar com a Aula Díez Canedo, tive a sorte de conhecer melhor essa figura generosa que é o José Manuel Paulete. Poeta do pincel, magnifico leitor, desenha no papel reciclado o que a literatura traz e faz pelo ser humano. A liberdade de pensar. O fruir. O quotidiano. A Exploração de Rotas Comuns que, como tive o prazer de ver na sua mais recente exposição no Bahnhof Espacio Cultural, levam a essas coisas simples, às quais uns quantos atribuímos beleza. As rotas comuns do quotidiano deste artista ainda são mais poéticas porque as faz montado na sua bicicleta, pois é um ciclista urbano com peso de massa crítica. Por onde passa, melhora o ambiente da cidade onde vivemos.

O Paulete é um exemplo no plural de grandes artistas cujo talento e generosidade transpõe naturalmente qualquer fronteira. Confesso que, fruto das minhas circunstâncias e maneira de ser, não sou uma pessoa ávida duma excepcional vida social e cultural, no entanto sou sensível a vários exemplos de iniciativas de altíssimo nível cujo embrião encontramos em regiões desfavorecidas como a Extremadura espanhola ou o vizinho Alentejo.

O apreço levou-me a escrever esta crónica, é mais do que evidente, tal como é evidente o desejo de mostrar ao meu estimado leitor que, mesmo longe dos centros de poder, encontramos manifestações artísticas tão sublimes quanto o compromisso de agentes culturais de vocação e, muitas vezes, não de profissão. Talvez no seio da escassez, as quimeras encontrem maior ressonância no coração da gente. Talvez, como numa casa pouco mobilada, o eco seja mais importante porque o vazio não lhe permite distrações.

Quando admiro o trabalho feito pelas Aulas de Literatura da AEEX, especialmente o trabalho elaborado pela Aula de Poesía Díez Canedo, sonho poder emular algo assim na cidade que me viu nascer, a minha Ítaca, da qual não sou rei, mas sim súbdito. A minha Évora. Já esteve mais longe... o Quique e o Paulete lá estarão para nos apadrinhar, porque, de outra maneira, não poderia ser.

(Nota: Esta crónica não respeita o actual acordo ortográfico. Respeita o passado da língua portuguesa, a sua história, a uni-la às outras línguas românicas.)


sábado, março 24, 2018

Pedreira/Cantera (Estremoz, 24/III/2018)

Para quê querer esculpir a pedra
se fazemos sangrar a mais perfeita
de todas as esculturas?

A beleza, a arte, a natureza existem aos olhos de quem pára para contemplar. É ocio. E onde há ócio haverá também negócio. A céu aberto, como estas escombreiras. Ah, Lusitânia! Ergueste-te com a alvura da mais rica pedra da tua terra, o mármore! És bela como qualquer estátua romana, mas o frio é outra das tuas características... e adornas o teu horizonte com feridas que auto-impões ao teu corpo...

quinta-feira, março 22, 2018

A escola de Cambeses do Rio em 1983



A escola de Cambeses do Rio, na Serra do Larouco, em 1983. Fotografia de Georges Dussaud.



(Fonte: Blog Aldeia de Gralhas)


quarta-feira, março 21, 2018

«A MELHOR ESCOLA» - José Agustín Goytisolo

(Sempre o Pedro. A minha pedra filosofal. Obrigado. Luis)

A MELHOR ESCOLA

Desconfia daqueles que te ensinam
listas de nomes, fórmulas e datas
e que sempre repetimos modelos de cultura
que são a triste herança que te cansa.

Não aprendas só coisas, pensa nelas
e constrói a teu bel-prazer situações e imagens
que rompam barreiras que garantem existir
entre a realidade e a utopia.

Vive num mundo côncavo e vazio;
pensa como seria uma selva queimada;
pára a ondulação na rebentação;
pinta de vermelho o mar;
anda nas paralelas
até que te levem ao ponto de partida;
coloca o horizonte na vertical;
faz uivar um deserto;
familiariza-te com a loucura...

Depois sai à rua e observa:
é a melhor escola da tua vida.

(Trad. Luis Leal)

Pedro Lamares - Poemas para o Dia Mundial da Poesia



PEDRO LAMARES - UMinho - Recital de Poesia 1 ...no Museu D. Diogo de Sousa, 12 setembro 2013. XII Congresso Internacional Galego-Português de Psicopedagogia

Poemas:
1. "Portugal" - (Incompl.) (Jorge Sousa Braga)
2. "Um Adeus Português" (Alexandre O´Neill)
3. "O Portugal Futuro" (Ruy Belo)
4. "A Nêspera" (Mário Henrique Leiria)
5. "Lugares Comuns" (Ana Luísa Amaral)
6. "Para Ser Grande, Sê Inteiro" (Ricardo Reis)




segunda-feira, março 19, 2018

"Soñemos juntos, Papi" (Día del Padre)

“¡Soñemos juntos, Papi!” ha sido el libro personalizado que mis hijos me han regalado este “Día del Padre”. En realidad, poco más les puedo dejar. Si la vida es justa con nosotros, un día lejano yo no estaré aquí, pero ellos siempre me podrán encontrar en ese reino donde enseñé al gigante a dar abrazos para no estar enfadado con el mundo…

“Sonhemos juntos, Papá!” foi o livro personalizado que os meus filhos me ofereceram neste “Dia do Pai”. Na realidade, pouco mais lhes posso deixar. Se a vida for justa connosco, um dia longínquo eu não estarei aqui, mas eles sempre poderão encontrar-me nesse reino onde ensinei o gigante a dar abraços para deixar de estar zangado com o mundo...