sexta-feira, março 30, 2018

“O Olmo do Cáucaso” – Ryuichiro Utsumi (Adaptação de Luis Leal)

“O Olmo do Cáucaso” – Ryuichiro Utsumi (Adaptação de Luis Leal e imagem de Jiro Taniguchi)

Chegou o dia em que se ia cortar o olmo. A madrugada ainda se vislumbrava nas cores primárias da manhã.

- Bom dia. Como não conseguia descansar acabei por vir demasiado cedo, sei que é um incómodo, peço-lhe imensa desculpa. – Apresentou-se, com uma vénia, o Sr. Yaguchi.

- Não incomoda nada. Faça o favor de entrar. – Disse com amabilidade o Sr. Harada.

Os dois homens sentaram-se no corredor que dava para o alpendre exterior e tomaram um chá. A conversa era pouco fluída, ao contrário da última visita dias antes. Em silêncio, dirigiam o seu olhar em direcção ao olmo. A brisa acompanhou-os.

O olmo erguia-se com firmeza como se empurrasse o céu nublado e os contemplasse, em pequenez, desde lá de cima. Porém, mesmo sendo um gigante, via-se conformado com o seu destino, sereno e sabedor do seu final.

- Aquela árvore já aqui estava antes de construirmos a casa. Não sei quantos anos terá, mas há trinta anos já tinha esse especto. – Recordou o Sr. Yaguchi.

- Então já aqui estava quando não havia nem uma casa neste lugar e ainda tudo era campo e floresta? – Retorquiu o Sr. Harada ao antigo proprietário da sua nova casa.

- Sim, é verdade. Quando o Verão chega, as folhas crescem em abundância e espessura, projectando uma grande sombra. Uma sombra tão fresca que gira como um relógio de sol e vai cobrindo toda esta zona. E quando se aproxima chuva, toda a árvore fica com o reverso das folhas esbranquiçado e avisa a sua chegada com um alvoroço que jamais esquecerei. Quando as gotas de chuva deslizam pelo tronco para depois caírem, a casca castanho clara da árvore vai escurecendo por causa da humidade. Ao mudar o seu rosto vai-nos indicando a quantidade de chuva caída.

O idoso continuou a falar debaixo da sombra cúmplice do olmo, enquanto o seu anfitrião o ouvia com serenos sorvos de atenção.

- O olmo já aqui vivia antes de nós. Foi depois de eu para aqui vir que outros começaram a construir as casas ao seu redor. Apesar de isso, mesmo que as suas folhas caiam, tratá-lo como um incómodo, como uma chatice, é um sinal do egoísmo das pessoas que chegaram depois. Quanto à limpeza dos algerozes, se for uma família normal, deveriam fazê-la todos os anos, mas a limpeza da entrada e do quintal é algo que se deveria fazer diariamente. Se não caem as folhas do olmo, não limpam ou quê?

O Sr. Harada assentiu com um misto de tristeza e humor, enquanto o idoso continuou, tão honrado quanto as intenções do chá que partilhavam.

- Era o que eu sempre argumentava! É por isso que entre a vizinhança me chamavam o velho teimoso!

Ao ver um ligeiro sinal de indignação nas palavras do seu convidado, o Sr. Harada apressou-se em tranquilizá-lo.

- Não, por favor, não diga isso. Estou totalmente de acordo consigo. Odiar as folhas de uma árvore só releva que nos esquecemos do que é viver com a natureza. É uma atitude presunçosa...

Ao afirmar isto, estava a entrar-lhe vontade de começar a fazer parte do grupo dos velhos teimosos. Porém, quase em simultâneo, as caras severas das vizinhas e o olhar crítico dos seus próprios filhos vieram-lhe à mente para se desvanecerem ao ouvir, à entrada do seu quintal, um sonoro bom dia.

- Bom dia!

Era o encarregado da empresa “Jardins Tatsu”, acompanhado por três homens fortes que consigo traziam equipamento de corte e abate de árvores.

- É uma árvore bastante mais majestosa do que imaginava. – Comentou um dos três homens ao tocar e percorrer o tronco com o olhar.

Num gesto lento, mas decidido, o Sr. Harada desceu o pequeno degrau que o separava do seu quintal e dos operários encarregados de cortar o olmo.

- Peço desculpa.

As suas palavras despertaram a atenção do encarregado, o mesmo homem amável e atencioso que, nos meses anteriores, tivera a tarefa de recompor o jardim à sombra da árvore que agora iria cortar.

- Sinto muito dizer-lhe isto depois de já ter todo o seu trabalho organizado, mas... já não quero cortar a árvore.

O encarregado correspondeu com um “ah sim?” liberto pela sua boca.

- Não se preocupe que vou compensá-lo bem. Não se importa de dizer aos seus homens que podem ir-se embora?

Visivelmente aliviado, o encarregado dirigiu-se ao Sr. Harada de maneira a que os demais o ouvissem.

- Para ser-lhe sincero, odeio cortar árvores.

Não foi necessário perguntar o porquê desta confissão a um homem cuja profissão tanto o leva a plantar como a cortar todo o tipo de plantas.

- Elas têm alma. Por isso estão sempre a ouvir as nossas conversas e esforçam-se por nos agradar. À frente de uma árvore que não dá frutos, ou cujas flores não têm uma cor bonita, se dizemos que a vamos cortar porque é má e não corresponde ao que dela queremos, no ano seguinte produzirá maiores frutos ou flores mais formosas, como se se estivesse a emendar do seu comportamento anterior. No fundo, elas também têm coração.

Desde o pequeno alpendre, a Sr.ª Harada e o Sr. Yaguchi juntaram-se à sombra do velho olmo.

- Agora já entendo. – Disse o Sr. Harada. – O motivo porque os ramos brotaram tão belos este ano, foi a forma do olmo, com todas as suas forças, chamar-nos à atenção.

O silêncio foi assentido momentaneamente por todos, olmo e homens, homens e olmo, até à sentença final do Sr. Harada.

- Enfim, se continuam a dizer que este olmo é uma chatice para a vizinhança, eu mesmo me encarregarei da limpeza dos algerozes!





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