domingo, setembro 02, 2018

Cheiros...

Terra. Sempre recordarei o cheiro da pele e da roupa do meu avô como o da terra, seca, barrenta, mas trabalhada e regada com afinco e dedicação. Herdei um casaco seu, nunca por mim lavado, cujo odor durante algum tempo o manteve vivo no meu olfacto e no meu armário.
Gasóleo. O meu pai enquanto trabalhou no caminho de ferro, três décadas de comboios, automotoras, dresinas e vagões, abalava com o cheiro lavado pela máquina de lavar roupa caseira, com o perfume do Skip da caixa de papelão que reciclávamos para eu guardar os meus brinquedos debaixo da lareira que poucos fogos acendeu, e regressava com o cheiro do combustível dos cavalos de ferro que conduzia. Nunca me desagradou o cheiro a ferrovia, não entendia ser cheiro do trabalho que rapidamente desaparecia com o banho, mas nunca o imaginei mais agradável do que o futuro me impregnaria.
Suor. Frio, raramente quente, predominante do sovaco esquerdo. O desodorizante pouco palia o odor e a mancha na roupa a amarelecer e a converter-se em trapos. O treino constante, a práctica de muitos anos de serviço, as técnicas e os métodos adquiridos, o teatro aprendido a representar, ocultam os nervos de quem ensina a magote, a quem quer e não quer aprender, mas não oculta o cheiro nauseabundo que traz para casa impregnado na roupa, na pele, no ser.
Não há nobreza nas profissões, há nas pessoas que as exercem. Antes não pensava assim. Vivia aspirando cheiros idílicos quando, na realidade, o cheiro do trabalho, seja ele de terra, gasóleo ou um suor envenenado por uma sociedade de então, é o que se tem, é a realidade que se vive. Enquanto houver um pouco de água escorrer no banho, ou para uma bacia, e sabão azul, recuperarei o meu verdadeiro cheiro, essa mistura de terra e gasóleo, que me recorda de onde venho e, mesmo encharcado em suores de obrigação, me ensina a escolher as minhas fragrâncias essenciais.

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