quinta-feira, junho 20, 2019

dedica-te um momento


Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen


(para a Elsa)

dedica-te um momento
a olhar para esse atlântico,
para o farol à procura dum poeta,
para um areal de garrafas invisíveis
cheias de desejos, omissões e mar.

dedica-te um momento
a encarar o que te rodeia, 
oceanos de imediato,
e barcos rumando para o obsoleto,
ignorando rumores de absoluto. 

da velhice da oliveira,
florescem sonhos em frutos, 
amendoeiras e um sol.
uma parcela de ocaso.

dediquemo-nos um momento 
e vemos décadas que quisemos,
queremos e quereremos,
viver lado-a-lado.

entre as ruínas da obsolescência 
resiste um nós, do qual nasceram eles.

de mão dada, somos imunes aos golpes, 
aos gumes, à cobiça da lâmina.
como guerreiros, encontrámos a planta sagrada,
conquistámos o seu dom e untamos 
na pele o seu bálsamo cicatrizante. 

aqui, longe dessa praia, que nos uniu 
não há destroços, nem náufragos 
nem um único vestígio desta era plastificada.

aqui, onde decidimos deixar de ser um
porque a dois também se pode existir,
nada é descartável.
o nosso tempo não é deste tempo.

tu e eu
fomos feitos para durar.  
20/VI/2019

"Elsa e Luis" - Foto de Ricardo Jorge


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