domingo, outubro 06, 2019

Kenshinkan Dojo – “A Casa da Espada Celestial” - Luis Leal in "Rayanos Magazine"

Kenshinkan Dojo – “A Casa da Espada Celestial”


Desde tenra idade o Oriente sempre me fascinou. Esse ponto cardeal que continuamente me remeteu para povos, paisagens (nunca por mim vistas para além de filmes e fotografias!), artes e filosofia. Talvez por ter nascido em Portugal, esse pequeno país de gente lançada aos oceanos na ânsia de chegar aos mais extremos cantos do mundo, o Japão ocupou um lugar de destaque e, ainda hoje, sonho com um dia poder visitar o país do sol nascente. Se o puder concretizar, fá-lo-ei para homenagear a minha infância (abundante em cinematografia de série B), como também para recordar a ingenuidade dos primeiros jesuítas que ali chegaram para disseminar um evangelho, hoje remanescente no coração de pouquíssimos nipónicos. 
Foto de Juanma Zarzo
Apesar de reconhecer o fascínio que tenho por a terra dos samurais, admito que é cada vez menos romântico e mais realista, quando comparado com os meus verdes anos. Porém, tal não invalida o meu deslumbramento. Ler ajuda bastante. Neste caso sobre história japonesa, sobre Xintoísmo, sobre filosofia Zen (se é que a posso chamar filosofia...), a par de alguma literatura de autores nipónicos. 
A maturidade acalmou o desejo de me projetar numa espécie de Nathan Algreen raiano, isto é, um ocidental anacrónico à procura de paz no Bushido. Para quem não sabe, trata-se da personagem dum capitão norte-americano - em conflito interior por haver testemunhado a crueldade das Guerras Indígenas Americanas -, criada por John Logan nessa, já antiga, película intitulada “O Último Samurai”.
Foto de Juanma Zarzo
Escrever uma crónica com algum léxico japonês exige várias (e imperfeitas!) tentativas de tradução e, caríssimo leitor, permita-me apenas ressalvar, caso desconheça, que o conceito de Bushido nos remete para o que se poderia definir como o “caminho do guerreiro”. Se omitirmos figuras históricas como Miyamoto Musashi, ou os famigerados Kamikazes durante a Segunda Guerra Mundial, se nos afastarmos de extremismos, como a cerimónia do Seppuku, o esventramento vulgarmente conhecido por Haraquíri (escrevo isto a lembrar-me de Yukio Mishima), esta forma de encarar a vida, tão conotada com uma atitude aguerrida, paradoxalmente cuida de prestar uma enorme atenção ao sublime da existência, encontrando exíguos consolos, paz, por entre tantas feridas e buracos presentes na armadura do ser.
O meu estimado leitor já se estará a indagar por que motivo me pus para aqui a escrever sobre cultura japonesa na “Rayanos Magazine”? E tem toda a razão. O que é que o Japão, o Oriente, tem a ver com esta nossa rai(y)a?
Respondo-lhe com um segredo, contudo sem qualquer tipo de sigilo. Nestes tempos nos quais a luz dos néons parece pôr à vista de todos o mistério do que antes se considerava profundo, difícil, praticamente sagrado, em Badajoz, numa esquina do coração da cidade, existe um local no qual somos convidados à reflexão, a viver, através da perspectiva das artes marciais tradicionais. Falo-vos do Kenshinkan Dojo.
Um Dojo não é um sinónimo perfeito de escola, pois trata-se de um termo usado para designar um espaço destinado ao ensino e à prática das artes marciais e da meditação, assente numa ténue fronteira entre o sagrado e o profano. Ali o respeito flui desde o trato pessoal até ao mais pequeno pormenor de manutenção e limpeza do local.
        O Kenshinkan Dojo adapta-se, com notável esmero, ao paradigma e é o sonho de uma das vidas mais interessantes com as quais me pude cruzar. Afirmar que ali encontrei um dos meus grandes mestres e amigos é motivo de orgulho, uma honra. Digo-o em verdade e não só para manter o estilo oriental da crónica. 
Foto de Juanma Zarzo
       Se traduzirmos Kenshinkan ficamos com algo aproximado a “A Casa da Espada Celestial”. Aí habita Pedro Martín González (Menkyo Kyoshi Tenshin Shoden Katori Shinto Ryu), tal como o recato duma prática marcial ancestral, honesta, que não se confunde com o andar à batatada dos filmes de acção foleiros que ajudaram muitos neófitos a conceberem o Budo (“artes marciais”) como uma trivial manifestação de violência.
Pedro Martín Sensei, há quase quatro décadas a formar budokas, convida-nos a interpretar as artes marciais de uma forma holística. Por outras palavras, uma interpretação mais além das técnicas apanágio de defesas e ataques, explorando de forma equilibrada os movimentos culturais, as sensibilidades humanísticas e vários valores que considero essenciais e, infelizmente, não proliferam na sociedade.
Desde o primeiro dia que pisei o Kenshinkan Dojo, pela mão do meu amigo João Reis, senti-me a entrar num espaço de verdadeira devoção, amor sincero, por estas artes, talvez mal adjetivadas pelo deus romano da guerra. Senti que chegara ao meu Oriente, ao meu Japão, e não havia necessitado apanhar nenhum avião, ou caravela (como bom português!), para lá chegar.
Hikari significa “à procura de luz” e é também o título homónimo do último livro de Pedro Martín. Ler esse belo volume, com fotografias do jovem (e talentosíssimo) Juanma Zarzo, é conhecer o pilar que sustenta “A Casa da Espada Celestial”, é atrevermo-nos a contemplar como o ser humano se expressa de várias maneiras, todas legítimas, se houver respeito pelo outro, se houver simplicidade, se houver honestidade.
É bem possível que jamais pise o país do sol nascente. Deixei de procurar essa luz a Oriente. Encontrei-a aqui, onde habito. Não foi difícil. Como diz Pedro Sensei: “Sim, o simples é perdurável e, portanto, é verdadeiro”.


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