terça-feira, novembro 19, 2019

A chávena partida

Roubei-a dum McDonald's, como forma de protesto porque me sentia um consumidor a trabalhar para a multinacional. Mas, realmente, foi uma desculpa para me justificar a incorrecção do acto de subtrair um objecto pelo qual não paguei. A chávena de café não era minha, era do palhaço americano e graças a ele tenho a moral manchada como o chão ficou manchado por café quando, hoje de manhã, a deixei cair em pedaços de porcelana.
Mais uma. 
Se um dia a minha vida se vir a desempenhar um cargo político (algo muito pouco provável) podem vasculhar esta nota e acusarem-me de ladrão. Comparar uma chávena de café para a bica a milhões é desproporcional, mas, proporcionalidade à parte, trata-se do mesmo. É assim que alguns argumentam o seu puritanismo e exigem gente imaculada em cargos políticos ou de liderança. Esta exigência afasta muitos dos melhores dos sítios onde deveriam de estar. Têm medo de ser crucificados pelas seus pequenos pecados e vivem com o carácter alheado à mediocridade, essa que esconde bastante bem os esqueletos no armário.
Estou a pensar, quando for comer comida rápida e servir-me a mim mesmo, trazer outra para casa. Estou a ser honesto. Acho é que não vou dizer a ninguém, muito menos escrever, deixar provas incriminatórias em confissão de diário, que a roubei. Tomarei o meu café imoral a olhar para o mundo desde o meu canto, a observá-lo sem açúcar e em pequenos sorvos. Até outro dia, o do eterno retorno da chávena ao chão e da imperfeição manchada da minha condição...

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