sexta-feira, agosto 07, 2020

Parker

Já estava na papelaria há uns cinco minutos, a fotocopiar mais umas páginas de um capítulo para corrigir, quando o vejo chegar, devagar, com alguma dificuldade a caminhar e com o andarilho a ocupar toda a entrada do estabelecimento.
Se vivessemos numa época menos mascarada e medrosa, ter-me-ia aproximado e ajudado a subir aqueles três degraus, mas este vírus afasta-nos físicamente convertendo qualquer um numa potêncial ameaça.
Ficámos pelo cumprimento: «buenos días».
Notava-se que era conhecido do estabelecimento (agora só com um funcionário, creio que é o dono) e foi rapidamente atendido. 
«Dame un bolígrafo, por favor», disse, necessitado tanto do utensílio de escrita, como da mobilidade perdida com os anos.
«¿Qué te parece este? Cuesta 6€.»
Não era uma vulgar caneta bic, ou uma dessas esferográficas utilitárias de usar e deitar fora como as que tenho acumulado ao longo dos anos. Era uma Parker. Das mais básicas, mas era uma Parker.
«Me parece bien, trae para acá.» E o funcionário, de passagem entre a vitrine e a fotocopiadora onde saíam as minhas páginas, deu a Parker ao senhor idoso que, antes de experimentar a sua caligrafia octogenária, a experimentou no bolso da camisa e exclamou: «perfecto».
Pagou com moedas e acho que teve um desconto, coisa que eu não tive, porém que não me apoquentou. 
Uma caneta já pouco ou nada significa para os nossos dias e a caligrafia é uma coisa de primária e de apontamentos para supermercado, isto é, para algum antiquado, como eu, que escreva uma lista com o que faz falta para casa.
Apesar de também ter camisa, a minha não tinha bolso e não poderia fazer-me acompanhar de tão ilustre companhia.
Saiu antes das cópias estarem prontas e aquele velho homem, apontado na minha memória sem recurso a esferográfica, saiu mais ágil, rejuvenescido, amparado agora por algo mais do que o seu andarilho.

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