Se um sono descansado ajuda à lucidez, a insónia é um método eficaz para criar monstros.

segunda-feira, junho 28, 2021

Discurso nasalado...

Porque é que os portugueses (mais elas do que eles), quando querem parecer importantes, nasalam o seu discurso? Não os levo mais a sério por isso, fico é preocupada não me peguem uma estúpida constipação, pois sou uma pessoa de risco.

Uma base de guarda-sol...

Uma base de guarda-sol, mal situada, tirou-me toda a base de sustentação num segundo, quando o meu filho X tropeçou nela e caiu de barriga em cima do tubo.
Por sorte, a coisa ficou por uma nódoa negra e por uma derrocada minha por dentro, num desses momentos de verdade em que a vida me diz que não sou capaz de os proteger além do incontrolável. É punçante esta noção e, ao contrário dele (capaz ainda de caminhar de olhos fechados por um pensamento mágico, que o leva a tropeçar com o mundo físico) sou incapaz de ignorar estes sinais de que basta uma merda fora do sítio para que o absurdo te arraste para o teu sítio, para o meio do nada, para o seio da ausência de sentido de tudo o que nasce e morre.

sexta-feira, junho 25, 2021

Um verso de Mascha Kaléko

 


Sou uma folha arrancada cedo de mais da árvore.


Dados biográficos e poemas no alemão original e em português, v. "Mascha Kaléko, por Valeska Brinkmann"



Crónica: "Palavrões e 'Palabrotas'" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº156, p.46)

Para quê mentir e omitir que tenho uma relação muito próxima com os submundos linguísticos e, com frequência, me adentro na marginalidade de alguns registos um tanto ou quanto proscritos? Resumindo, apesar da minha mãe me ralhar (e bem!), digo muitos palavrões... Desse meu lado, e não só, trata esta crónica da última “Mais Alentejo” que se pode ler perfeitamente, se vos apetecer, sem qualquer controlo parental. O número 157 já está disponível!

¿Para qué mentir y omitir que tengo una relación muy cercana a los submundos lingüísticos y, con frecuencia, me adentro en la marginalidad de algunos registros un tanto o cuanto proscritos? Hablando en plata, a pesar de que mi madre me riñe (¡y muy bien!), digo muchos tacos... De ese lado mío, y no sólo, trata esta crónica de la última “Mais Alentejo” que se puede leer perfectamente, si os apetece, sin ningún control parental. ¡El número 157 ya está disponible!

Luis Leal, "Palavrões e 'Palabrotas'", Mais Alentejo nº156, Abril/Maio, 2021, p.46)


Crónica: "Palavrões e 'Palabrotas'" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº156, p.46)

Palavrões e “Palabrotas”


Tenho uma relação muito próxima com os submundos linguísticos e, com frequência, adentro-me na marginalidade de alguns registos um tanto ou quanto proscritos. Apesar do eco materno da proibição (e bem!), faço-o quase sempre para paliar alguma dor ou libertar alguma frustração nessa perspectiva infantil de um puto para quem ser homem era, entre outras coisas, dizer um palavrão em público e não ser repreendido.

A realidade é que, desde crianças, lidamos e dispomos de um repertório abundante de palavrões. Alguns ainda continuam em força, outros esbateram-se e uns quantos foram introduzidos à medida que fomos crescendo. Lembro-me, salvo algum alivio, suave e pontual, de o meu pai não dizer palavrões em casa, dando o exemplo que era ditado e corroborado pela minha mãe. Porém, numa das minhas pequenas memórias acompanho o meu pai no seu local de trabalho, onde ele não fala como falava em casa. Tem mais ênfase, mais liberdade de registos e, ali, não é só o meu pai. É um homem, um trabalhador honesto e respeitado num ambiente proletário, aquele em que maioritariamente, e com muita honra, me criei, e onde, pela primeira vez, encaro a multiplicidade de papéis que desempenhamos ao longo da vida.

A experiência tem-me mostrado o quão erróneo é associar, em exclusiva, o calão a ambientes sociais baixos. Um registo linguístico cuidado, e até mesmo corrente (esse associado à norma), exige alguma formalidade e padrões de educação inerentes a uma determinada comunidade de falantes, algo que acontece no registo familiar, coloquial, típico de relações sociais mais próximas. Portanto, não é de estranhar um neurocirurgião, um político, ou um escritor de renome, falar entre amigos como a sociedade supõe que falaria um camionista. Em suma, recorrer ao palavrão não é apanágio de estratos sociais menos abonados, desfavorecidos ou marginalizados e só a falta de atenção não o descobre em ambientes e esferas sociais mais altas.

Que o meu estimado leitor não pense que estou a fazer uma apologia do calão, mas tenho a certeza de muitos palavrões me ajudarem a substituir pensamentos de difícil enunciação, a libertar e a controlar o meu lado iracundo, a pôr pontos nos “is”, a cimentar amizades e camaradagem, a defender-me, e, pelos vistos, a ser encarado como alguém honesto, de confiança, tal qual como vi o meu pai há mais de três décadas. E o mais irónico é que existem mesmo estudos científicos a atestarem os benefícios deste uso vernacular nas nossas existências.

Nunca imaginei ser contratado para dissertar sobre a marginalidade de algum vocabulário e expressões da língua portuguesa, várias vezes para ser franco, e tenho-o feito baseado em bibliografia rigorosa e em empirismo pessoal. Foi neste âmbito que enunciei uma tese (original, creio eu, pois até hoje não a encontrei em nenhum artigo) de defesa pessoal linguística. Isto é, como se aprende a esquivar ou bloquear uma agressão física, quem tem de se adentrar noutra cultura ou língua que desconhece em profundidade, a primeira coisa que pretende dominar é o lado proscrito da mesma, unicamente para se defender e, em última instância, sobreviver.

Apesar da minha familiaridade com o espanhol, quando rumei para o outro lado da fronteira, aprofundei o idioma nos seus “bajos fondos”, quis ter a certeza de não me insultarem sem me aperceber e, nessa busca de técnicas de “Krav Maga” de paleio, certifiquei-me do espanhol, tal como o português, ser um solo fértil, para “tacos y palabrotas”. 

Porém, o meu húmus luso deparou-se com uma das poucas diferenças que encontro neste substrato ibério onde afloram as nossas individualidades peninsulares. Cresci a ouvir e a dizer palavrões (acredito que a sabê-lo fazer no momento oportuno e no lugar adequado), mas, ao adquirir um discernimento de tantas “palabrotas”, descobri uma certa blasfémia espanhola, defecando em divindades, em mortos, em tudo! A língua portuguesa evacua para muitas coisas, mas parece-me não chegar a tanto. Qual é o motivo para este uso? Será o povo espanhol mais blasfemo do que o português? Mais escatológico? Sinceramente, não sei e não tenho particular interesse em saber. Apenas sei que muitos nem têm consciência para o que se estão a cagar... 

Ilustração de Malagón




quinta-feira, junho 24, 2021

Numa conversa com uma amiga, surgiu a questão do que é isso de se ser pai...

Numa conversa com uma amiga, surgiu a questão do que é isso de se ser pai. E para um gajo como eu, que nunca imaginou sê-lo, só me podia sair uma coisa destas:
- Todas as lamechices que te possam dizer sobre a paternidade são verdade, acredita! São o melhor das nossas vidas, mesmo quando já não os podes ouvir de tanto discutirem e não te deixarem em paz nem na casa de banho...

Hace años, cuando llegué a este país que hoy pienso y siento como mío, Cataluña no era un problema. Donde hay dinero no hay problemas. Sin embargo, después de un 2008 de la peor crisis económica mundial, casos de corrupción bien conocidos, España fue golpeada por el independentismo que llevó a la polarización de la sociedad catalana y a unos cuantos activistas políticos a la cárcel (excepto un político cobarde, con un peinado raro, que se "autoexilió" en Bruselas) debido a un referéndum quizás más ridículo que ilegal. 
Meter a esa gente en la cárcel derramó ríos de tinta bastante obscura y no ayudó a la democracia española que, por estos días, está indultando a los que, legal o ilegalmente, dieron la cara por su activismo político. Sin embargo, la polarización sigue. La gente prefiere trincheras a compasión, prefiere dogmas a argumentos razonables, prefiere la confrontación entre una España maternalista, terca y testaruda, y una Cataluña que no sabe lo que quiere ser, al que el papel de víctima le viene bien para sus intereses más adolescentes que responsables.
No sé se indultar o conceder amnistías es la solución, pero dialogar es siempre más fácil al aire libre y no en un ambiente carcelario. De eso estoy seguro y de que si volviésemos a los tiempos de las vacas gordas, todos pastaríamos más en harmonía de norte a sur de la península.

segunda-feira, junho 21, 2021

Uma cerejeira que se plantou de outra maneira... (Um jogo de construção dedicado ao santuário japonês Inari)

Os nossos filhos têm tido o privilégio de, desde sempre, contactarem com a natureza (e não acreditássemos nós ser ela a melhor das educadoras), principalmente através de gatos, cães, peixes, galinhas, ovelhas, cabras, sapos, insectos, etc., isto é, a nossa bicheza, da vizinhança e do meio por onde vão crescendo. Também têm tido a sorte de plantarem e verem crescer várias árvores, algumas até já lhes dão sombra e alguns frutos. Hoje, “plantaram-me” uma cerejeira japonesa (“sakura”), ao bom estilo lego, erguendo um “torii” que me levou a imaginar como será o santuário Inari em Kyoto. “Plantaram-na”, a brincar, para mim e nem imaginam a emoção que é contemplar as suas flores, por mais artificiais que sejam...

Nuestros hijos han tenido el privilegio, desde siempre, del contacto con la naturaleza (y no creyésemos nosotros ser ella la mejor de las educadoras), principalmente a través de gatos, perros, peces, gallinas, ovejas, cabras, sapos, insectos, etc., es decir, nuestros bichos, del vecindario y del entorno por donde van creciendo. También han tenido la suerte de plantar y ver crecer a varios árboles, algunos incluso ya les posibilitan sombra y algunos frutos. Hoy, “me han plantado” un cerezo japonés (“sakura”), al buen estilo lego, levantando un “torii” que me ha llevado a imaginar cómo será el santuario Inari en Kyoto. Jugando, “lo han plantado” para mí y no imaginan a emoción que es contemplar sus flores, por más artificiales que sean...

segunda-feira, junho 14, 2021

Se se é humilde...

Se se é humilde quando o dia nos brinda com o melhor do seu sol, também o seremos quando a tormenta cobre o seu brilho e isso levar-nos-á, com mais facilidade, a um qualquer abrigo no qual o nosso ego não nos impedirá de entrar. 

Como o chá, humilde água fervida em infusão de restos secos, que facilmente nos tranquiliza e nos faz entrar em calor quando o frio se apodera de nós.

domingo, junho 13, 2021

A Lisboa e os Santos do cosmopolita António Ferro

"Lisboa não é uma cidade para trazer nos olhos nem para trazer no cérebro. Lisboa é uma cidade para trazer ao peito... (...).
Junho, o mês dos Santos, é o mês de Lisboa... Tôda a Lisboa é um trono, um trono de caixa de charutos com um santo de barro lá no alto... (...).
Lisboa, a grande festa popular, lugar de romaria, cidade onde todos se conhecem, sala maior, a sala das recepções e dos jogos de prendas, dêste velho solar, brasonado e hospitaleiro, que tem escrito, sôbre azulejo, o nome de Portugal!".

António Ferro, A Amadora dos Fenómenos, Porto, Imprensa Civilização, 1925, pp. 188-189.

sábado, junho 12, 2021

Cheira a terra...

O calor, chegado de golpe há uns dias, trouxe hoje trovoada. Lá fora caíram umas gotas frias que levaram a terra a exalar o seu cheiro. A superstição impede-me de exclamar em voz alta "cheira a terra molhada". Tenho poucas (o pão de cabeça para cima, os chinelos arrumados ao fundo da cama, só contar um sonho depois de comer, abrir guarda-chuvas só na rua e não me lembro de mais), mas sei que esta foi herdada da companhia do meu cunhado Francisco no final da minha adolescência, pois, segundo os seus próprios temores, invocar o odor húmido do solo nú é chamar a morte. 
Ao olhar pela janela, os tons da tarde entristeceram, não são terroríficos nem fantasmagóricos, porém parecem propícios a um qualquer fim, a umas lágrimas que não me apetece derramar. Só espero que a morte não decida sair à rua num dia assim.

quinta-feira, junho 10, 2021

O Dia de Portugal teve, para mim, um verdadeiro sentido de pátria...

O Dia de Portugal teve, para mim, um verdadeiro sentido de pátria. Não porque tenha nascido nessa “nesga de terra” que me possibilita uma nacionalidade e uma língua materna, mas sim porque pude acompanhar a Sara Rodi na apresentação do seu último livro “O Quanto Amei – Fernando Pessoa e as mulheres da sua vida” na qualidade de amigo. 

Poderia mencionar o depurado trabalho e a qualidade literária desta novela, porém é bastante mais agradável destacar o ser humano inspirador e luminoso que encontramos na sua autora. E talvez pátria seja isso, algo mais que uma infância reminescente. Talvez seja reviveres com estima que, quando não encontravas muitos adultos com o teu nome, tiveste o privilégio de o encontrares num Luís, cuja presença em Badajoz, hoje, te fez ter a certeza que pátria não é um país, não é uma língua (peço desculpa ao Padre António Vieira e ao Sr. Pessoa), são os nossos pais. 

À parte desta certeza fica outra, a da necessidade deste livro admirável encontrar uma edição em espanhol. Algo me diz que tal será uma realidade e a Sara Rodi voltará com mais tempo para podermos falar de “las mujeres de la vida” de Fernando Pessoa...

(Um pequeno parêntesis, muito obrigado a outro Luis, ao Luis de la Macorra, cujo entusiasmo é gratamente contagiante!)




Querem infantilizar-me...

Querem infantilizar-me e não me sinto feliz, como na infância que tive. Por isso desconfio. Suspeito desta multidão para a qual ser criança não é o paraíso perdido, um retorno à pureza dum sorriso (desdentado), mas sim uma imposição de adultos que apenas me parecem frustrados ou, talvez, deformados.

segunda-feira, junho 07, 2021

Será que alguma vez foi bom momento?

Dois poetas, um português e outro espanhol (do norte do país), queixam-se que não são bons momentos para a poesia, que os livros ficam na gaveta e que não estão para se sujeitarem às rasteiras do mundo da "alta lírica". Apenas me pergunto: será que alguna vez foi bom momento? 
Ambos são escritores notáveis, um deles (o meu compatriota) com uma voz privilegiada, que me toca particularmente, porém, parece-me estarem a levar demasiado a sério a condição de vate que ostentam em público.
Os livros se quiserem sair da gaveta sairão e conhecerão os leitores possíveis (e impossíveis), quem os escreve não tem porque ter vergonha de os deixar sair, assim como os filhos saem de casa dos pais para irem estudar fora. Para quem não é abastado, exige sacrificio, mas acaba sempre por compensar, mesmo quando a rapaziada termina a trabalhar no extremo oposto da área que estudou.

Uma voz...

Uma voz só é real quando os ouvidos comprovam a sua existência, até então há apenas vibração no ar, um timbre surdo que não escapa ao silêncio.

Una voz solo es real cuando los oídos comprueban su existencia, hasta entonces hay únicamente vibración en el aire, un timbre sordo que no se escapa del silencio.

A lucidez é uma fissura...

A lucidez é uma é uma fissura de esperança no betão armado de qualquer dogma. 

Sara Rodi en la Biblioteca Pública del Estado Bartolomé J. Gallardo de Badajoz (10/VI/2021)

¿Y que mejor manera de celebrar el Día de Portugal? Sara Rodi en la Biblioteca Pública del Estado Bartolomé J. Gallardo de Badajoz con su novela “Fernando Pessoa e as mulheres da sua vida”. Un enorme orgullo poder recibir a mi amiga en mi ciudad de adopción… Esperamos por vosotros. 

E que melhor maneira de celebrar o Dia de Portugal? A Sara Rodi na Biblioteca Pública do Estado Bartolomé J. Gallardo de Badajoz com o seu romance “Fernando Pessoa e as mulheres da sua vida”. Um enorme orgulho poder receber a minha amiga na minha cidade de adoção... Esperamos por vocês!




quinta-feira, junho 03, 2021

En japonés, el concepto “Shibumi” destaca una simplicidad llena de matices, honesta y al mismo tiempo profunda, que nos hace detenernos ante algo gracias a la pureza que transmite.

En japonés, el concepto “Shibumi” destaca una simplicidad llena de matices, honesta y al mismo tiempo profunda, que nos hace detenernos ante algo gracias a la pureza que transmite. Por eso es el nombre más que adecuado para la publicación homónima, dirigida por Pedro Martín y por Juanma Zarzo, en la cual tengo el honor de colaborar a veces

Aquí tenéis mi colaboración en la edición de mayo, una adaptación del cuento “El Olmo del Cáucaso” de Ryuichiro Utsumi, bastante conocido en el ámbito del noveno arte a través de la perspectiva del inolvidable Jiro Taniguchi. 

Os animo a apoyar este proyecto y a suscribiros en https://revistashibumi.wixsite.com/website/suscripcion. Este mes tenéis una entrevista exclusiva a Tetsuji Nakamura Sensei sobre la transmisión del karate tradicional de Okinawa como bien cultural intangible.

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Em japonês, o conceito “Shibumi” destaca uma simplicidade repleta de matizes, honesta e ao mesmo tempo profunda, que nos faz parar perante algo graças à pureza que transmite. Por isso é o nome mais do que adequado para a publicação homónima, dirigida por Pedro Martín e por Juanma Zarzo, na qual tenho a honra de, por vezes, colaborar.

Eis a minha colaboração na edição de maio, uma adaptação do conto “O Olmo do Cáucaso” de Ryuichiro Utsumi, bastante conhecido no âmbito da nona arte através da perspectiva do inesquecível Jiro Taniguchi.

Se possível, subscrevam-se a este projecto em https://revistashibumi.wixsite.com/website/suscripcion. Este mês têm disponível uma entrevista exclusiva a Tetsuji Nakamura Sensei sobre a transmissão do karaté tradicional de Okinawa como bem cultural imaterial.










quarta-feira, junho 02, 2021

Prémios, artistas e artesões...

Leio o valor de um prémio cultural numa notícia e, tão acostumado que estou à miséria que se dedica a este tipo de iniciativas, fico surpreendido. Quase cinquenta mil euros, avança o jornal. 
Afortunado o vencedor, cuja candidatura, pelo que diz este meio da imprensa, foi feita por instituições culturais e universitárias, muitas delas pagas com dinheiro público. Ainda bem que estas iniciativas existem, comparadas com outras de valores bastante superiores, estas ainda deixam um legado artístico ao acesso de quem dele quiser desfrutar. Contudo, nestes momentos em que me apercebo deste tipo de candidaturas, penso sempre que quem já anda por estes meandros há alguns anos talvez não necessite desta promoção institucional, cujo critério reside em uns quantos pares que costumam pender sempre para os mesmos ímpares.
Lembro-me do António Aleixo, da sua poesia popular, das suas quadras para além da rima fácil e merecem ser vistas como máximas de sabedoria. Alguns, sem sequer o terem lido, votam-no para um lirismo de segunda, tosco, previsível e sem arte. Não era poeta, era um analfabeto que aprendeu a ler só para rimar e por não ser capaz de entender o quão culto é um verso em branco. É claro que a academia não dá importância a gente assim, refugia-se no canon e entendo, muitas vezes, o seu critério.
Mas, por mais que o entenda, continuo a sentir que deveriam cuidar e ajudar a promover a genuinidade dos Aleixos em vez dos artifícios do renome, talvez porque sei o quanto um apoio económico a um pobre artesão o pode ajudar a, quem sabe, subir no degrau subjetivo da arte e um grande artista, numa posição consolidada e economicamente estável, na melhor das hipóteses, continuará a ser um grande artista.

Trago no bolso (Carlos Alberto Machado)

Fotografia de t3xtures

 
TRAGO NO BOLSO

Trago no bolso
os meus tesouros:
Cabeça de Boi
Cabeça de Vaca
Contra-Mundo
e Papa.
Licenças e
Abafadores.
Pequenos
universos
de vidro
à deriva.

Carlos Alberto Machado