quarta-feira, outubro 06, 2021

Coisas que não têm preço... ("Microensaio de WC")

A malta faz listas das coisas que não têm preço e fá-lo muito bem, sendo que costumo estar de acordo com a maioria das que vou lendo. No entanto, talvez por educação ou pudor, omitem algumas que, para mim, são óbvias e, em etapas de azáfama como a que estamos a viver, muito valorizo. 
Defecar, evacuar, libertar o ventre, aliviar a tripa, fazer cocó (ou caca, como dizemos cá em casa), em fim, cagar, e poder fazê-lo com calma, não tem preço e, quem sabe, até pode ser terapêutico em certos contextos da nossa existência.
Mas, como tudo, exige-se disciplina, uma certa austeridade. Eu, por exemplo, já não posso sentar-me na sanita munido de livros e revistas como na juventude. O prazer da leitura começou a ser controlado na casa de banho ao longo dos anos pelo simples facto de não ser propício ao anús e introduzir hemorróidas, essas personagens terroríficas, a narrativas prazenteiras a pecarem por demoradas.
O telemóvel veio substituir um pouco a leitura analógica de WC e também há que ter cuidado com o seu uso, pois para além da ameaça eminente do hemorroidal, traz o ego para o derradeiro acto fisiológico de igualdade. Tanto defeca o rei, o presidente, o papa, a Joaquina, o José Manuel ou eu. Perdermos a noção desse igualitarismo por estarmos em rede é perigoso e faz-nos perder o momento de alívio porque estamos a querer ser quem não somos ou a pensar que o outro é quem não é.
Escrever também não se adapta a este momento e é evidente nesta nota de diário que se alargou a microensaio. Fica demasiado patente a postura auxiliada às cócoras, na fluidez enganosa e num estilo gasoso, com um odor desnecessário num exercício que se quer pulcro e, se possível, apto para publicação. 
No meu caso, penso num impressão em rolo de qualidade, com uma gramagem digna da intelectualidade e das exigências do mercado, mas só tenho à mão papel higiénico de barato, do supermercado, porém com a possibilidade de ampliar o vício com a sua folha dupla.

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