"Homem de Lealdades" - Luis Leal
Ignoro se o escritor Miguel Delibes alguma vez esteve no Alentejo. Admito que sim, dado o seu amplo percurso de vida, com obra editada em português, porém, a sua biografia não o vincula a Portugal, nem sequer a outras regiões espanholas para além do seu espaço vital, o que faz deste referente das letras espanholas ser considerado um escritor com território, o de “Castilla”. Aceita-se, no entanto, a ligeira incursão na Extremadura com “Os Santos Inocentes”, adaptada à sétima arte por Mario Camus, sendo considerada um ícone cultural espanhol da segunda metade do século passado, cuja temática de desigualdade social e ambiente de latifúndio senhorial seria perfeitamente verossímil no nosso Alentejo de então (e, infelizmente, com resquícios no presente).
O apego territorial por parte de Delibes não o circunscreve aos domínios físicos, evolui pela ética e poucos podem ser tão representativos de uma “ética da fidelidade” como D. Miguel. Esta deontologia, basilar na moral do escritor, foi justificada pelo próprio ao enunciar que era “um homem de fidelidades: a uma mulher, a um jornal, a um editor, a uma cidade...”. No caso de Eugenio D’Ors, ético é evoluir e páro a refletir sobre mim mesmo, em pleno século XXI, a viver entre territórios, e o certo é que (para fugir ao intertexto delibeano e fazer jus ao meu apelido) sou um “homem de lealdades”: a uma mulher, a algumas publicações, ao nosso editor, a duas cidades...”. Quem me conhece, apesar dos artifícios de quem escreve, sabe que sou sincero e tento não perder a minha “autenticidade” quando me entrego a este ofício de verter em palavras as minhas percepções, mas, pelos vistos, as minhas “lealdades” relegam-me para o território do conservadorismo, isto é, para um armário de mofo e naftalina, onde as pressões sociais e o progressismo da moda me exiliam na gaveta da anormalidade. Afirmo isto, tendo em mente um artigo de opinião num meio de referência, intitulado “Sou conservador. Sou menos bom por isso?”, em que a autora pergunta “se serão as ideias conservadoras totalmente erradas?”, avançando uma linha argumental interessante, contudo, questionando a sociedade através da premissa única de uma acção ser de cariz conservador pelo simples facto de haver sido algo tradicional em gerações anteriores.
Eu prefiro perguntar: Sou conservador por ser fiel a uma mulher ou um homem? Sou conservador por não ter curiosidade com o “poliamor”? Sou conservador por estar casado e supor que as relações exigem perseverança mútua? Sou conservador por ter filhos e isso faz de mim membro de alguma seita? Sou conservador devido à minha matriz católica e devido à minha fé insegura e discreta? Sou conservador por estar no mesmo ramo de trabalho há quase 20 anos? Sou conservador por gostar de rotinas? Sou conservador por ver virtude na simplicidade, na frugalidade? Sou conservador por acreditar numa certa disciplina – a simples diferença entre sim e não – e querer evitar nos meus filhos maus hábitos pois, mais cedo ou mais tarde, os mesmos acabam por se tornar carácter? Sou conservador por aceitar como natural, se necessário, plantar ou tirar a vida a animais com as próprias mãos para alimento? E podia continuar a indagar, mas receio subir de categoria e passar de conservador a inquisidor. Lembro-me sim de Delibes, dessa forma exemplar, desse difícil equilíbrio entre os planos da estética e da moral. Era caçador (sem troféus como o seu tocaio Torga), daqueles que suam atrás da sua presa. E era um verdadeiro ecologista, dos primeiros “verdes” a denunciar um mundo a agonizar, porém, algo inconcebível para o purista, incapaz de admitir sensatez na atividade cinegética regulada.
Nunca cheguei a ser um verdadeiro caçador, apesar da linhagem e das licenças. Talvez tenha progredido quando abdiquei, com pesar e alívio, da arma herdada de um passado de leais caçadores, calcorreadores de ladeiras, que nunca permitiram crueldade de gatilho. Mas, segundo os critérios da inteligência “woke”, este meu perfil nem é de menos bom (estilo Neandertal comparado com Homo Sapiens), é de Australopiteco!
Até me podia sentir ofendido, mas também sou racionalista e os sentimentos não são argumentos, portanto, aceito as minhas lealdades retrógradas. Contudo, professo-me um conservador-herético, dado que as heresias são contrárias aos dogmas e este progressismo em voga assume-se irrefutável, ou seja, insurjo-me perante este ismo tão pouco credível e disparatado como o meu.
Miguel Delibes, un "hombre de fidelidades". |
Pues entonces, siguiendo tu lúcido discurso, soy conservador. Cada día más, querido Luis. Abrazos.
ResponderEliminarQuerido Álvaro, muchas gracias por tu lectura y palabras. Con gente como tú y otros de igual humanismo me siento muy cómodo en este "conservadorismo", quizás sea ya un deber "conservar" la libertad de pensamiento y no solamente un vocación... No sé, estoy dando vueltas a tantas cosas para un pequeño ensayo sobre esa virtud heredada de nuestra matriz católica que es la humildad que no sé como podrá cuadrar en la era de la mediocridad sin que la dignidad sea mancillada... Ya me he puesto a divagar...
ResponderEliminarFuerte abrazo. LL