terça-feira, junho 28, 2022

O velho mercenário do bairro suicidou-se.

Disseram-me que se suicidou, que não pôde aguentar a ausência da mulher nem a doença a espalhar-se por dentro e a apagar o homem que fora antes, durante e depois da guerra colonial. Foi o primeiro mercenário que conheci e sem sequer saber o que significava, isto é, um soldado que serve por dinheiro um governo estrangeiro. Impunha respeito e fazia-se respeitar, este antigo comando a quem nunca vi qualquer violência e que tanto estimava o meu avô. 
Sou, somos descendentes de tantos que se estão a acabar e que tiveram de lutar numa guerra sem sentido. Sinto que temos uma dívida para com as suas vidas obrigadas a irem para África matar ou morrer. A violência acompanhou-os durante a sua existência, o sonho também. Eles educaram-nos sem meias tintas, a porem-nos no nosso lugar e muitos ensinaram-nos a lutar para não termos de viver o que foram obrigados a viver. Quero acreditar que alguns conseguiram.
O velho mercenário do bairro suicidou-se. Não tenho pena nem pesar, apenas respeito como quando era pequeno e ouvia histórias da sua vida. Já nenhum exército o vai contratar, nem a sua presença vai levar as crianças a perguntarem aos seus pais: "o que é um mercenário?".


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