quarta-feira, setembro 29, 2010

"Afirma Pereira" de Tabucchi (visualizando, sempre, o rosto de Mastroianni)

A imagem que guardo desta obra, quer literária, quer cinematográfica, é a figura de Marcello Mastroianni a caminhar por entre a multidão na baixa de Lisboa. A primeira vez que me cruzei com o texto de Tabucchi, num verão em que ainda estava nos "teens", não retive o que deveria desta história existencial. Hoje, fruto de um "post" do excelente blog "Cómo cantaba mayo en la noche de enero" do meu grande amigo Pedro, lembrei-me desta capa, desta imagem imortal para o meu imaginário pessoal.

Abordagem da obra por a jornalista Rita Pimenta:

Um homem muda. Apesar da idade e do regime. Pereira é jornalista, vive em Lisboa e bebe limonada. Salazar governa.

Afirma Tabucchi que este é um “romance existencial”. Fala de um homem envelhecido que toma consciência da sua passividade. Corria o Verão de 1938 e Pereira, alheio à realidade política da época (ditadura salazarista, guerra civil espanhola e fascismo na Europa), prossegue impávido

É viúvo, dirige a página cultural — em que é o único redactor — de um diário vespertino, “Lisboa”, e fala com a fotografia da mulher. Menu exclusivo: omolete e limonada.

“Afirma Pereira” foi escrito em 1993 e mereceu dois prémios literários italianos no ano seguinte, Via Reggio e Campiello, e o prémio internacional Jean Monet em 1995.

Sendo indiscutivelmente um romance político, a narrativa de Tabucchi não assume um tom panfletário e prende com facilidade a atenção do leitor, pois é-lhe apresentada como uma espécie de testemunho do protagonista, onde a expressão “afirma Pereira” se vai repetindo.

São quatro as personagens que vão induzir a transformação do católico jornalista: dois anti-salazaristas militantes (Monteiro Rossi e a namorada, Marta), um padre (António) e um médico (doutor Cardoso). O protagonista acabará por escrever um artigo de denúncia que transforma o seu futuro. E assim se afirma Pereira.

Embora no momento da criação da obra a direita e Berlusconi ainda não estivessem no poder, Antonio Tabucchi apercebiase já do regresso dos nacionalismos, da xenofobia e do racismo. O romance retrataria assim uma época (1938-43) cujo ambiente teria alguns pontos de contacto com o que se vive na Europa contemporânea (salvaguardadas as devidas diferenças), explicava o autor por alturas do lançamento do livro.

Antonio Tabucchi, nascido em Pisa em 1943, Itália, conhece Portugal desde os 22 anos e considera-o o seu “país de adopção”. Apaixonado pela obra de Fernando Pessoa, traduziu e dirigiu a edição italiana dos textos do autor.

Para quem não tem memória de ter vivido em ditadura, Tabucchi dá a conhecer através de “Afirma Pereira” a asfixia cultural que então imperava, e o leitor congratula- se com o facto de sempre ter podido respirar livremente.

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