quinta-feira, agosto 28, 2014

"Corpo" - Valério Licínio (Joaquim Pessoa)

Tenho a certeza que Joaquim Pessoa não tem o seu merecido lugar na lírica portuguesa do final do século XX e, mesmo, na viragem para o século XXI. O motivo, o porquê, dessa ausência de reconhecimento dever-se-á, seguramente, a posturas políticas e sociais assumidas pelo poeta que, como é apanágio do “mainstream” de cabeças pensantes e dominantes, subjugam e promovem o “espectro cultural” de qualquer país. 

Creio que ainda está no activo, mas perdi contacto com as suas últimas obras. Talvez o peso do apelido Pessoa (penso que em homenagem ao polifacetado mestre Fernando) não ajude para o marketing da “coisa”, mas fazendo minhas as suas palavras «julgo que a poesia tem, também, a obrigação de palpar o mundo, de estar atenta aos sintomas e ajudar ao diagnóstico.»

Há quase 20 anos descobri o que significava “apócrifo” graças a uma antologia sua. “Os Herdeiros do Vento”.  À parte de manuais escolares, ou leituras obrigatórias, tenho quase a certeza que foi o primeiro livro de poesia que comprei na vida e na já extinta livraria do centro comercial Eborim, numa dessas minhas peregrinações habituais antes de ir ver algum filme aos, também já extintos, cinemas Alfas Duplex de Évora.

Desse livro guardo e destaco um poema apócrifo de Valério Licínio intitulado “Corpo”. Lio-o tantas vezes nestas duas décadas que pouco falta para o saber de cor. Assim é a memória afectiva, selectiva por bem-estar, faz-nos sentir que há coisas que parecem que foram feitas, escritas, sentidas, exactamente para nós. Porque não ser feliz nesta ilusão?

Apropriar-se do imaterial, para consumo próprio, não aflige o artista, não abusa dos direitos de autor, não é mercantilismo de propriedade intelectual. É, em “stricto sensu”, identificação. Não há nenhum autor que não o almeje, com maior ou menor veemência, por vezes mesmo eclipsada por desprendimento, que quem o lê, aceita a sua partilha, reconheça a sua composição ou, se é caso disso, se reconheça nela. 

Agora revisito-a aqui. Originalmente esta antologia foi dedicada a ilustres amigos do autor como Isabel da Nóbrega, José Saramago, Pedro Tamen e Carlos Pinto Coelho. Como me apropriei deste poema, porque não dedicar-vos? 
Aquele abraço.



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