Em direto com o 1º Ministro, depois de sermos louvados pelo Presidente da República. |
O primeiro gravador de k7s que
tive na vida foi uma herança partilhada com a minha irmã. Era um daqueles metálicos
com um deck e uma coluna plana, de som mais que Mono e sem perspectivas de Stereo.
Fora uma transição das mãos do meu pai (que o comprara com restos do soldo do ultramar)
para as minhas e as da minha irmã Ana. Aí ouvíamos as nossas k7s, algumas
originais como a do Cat Stevens ou dos Beatles (o álbum “Sgt. Pepper's Lonely
Hearts Club Band”!), gravávamos outras à beirinha da rádio (de indicador e
médio ágeis para carregar no play e rec simultâneos), sempre desejando que o
locutor não falasse e interrompesse a melodia para dizer “Rádio Jovem” em
noventa e qualquer coisa FM.
As rádios locais, algumas
piratas, eram o mais global que aquela juventude tinha na época e a rádio da
minha terra era um espectáculo! Era bem jovem para aquela cidade branca que
pouco mais oferecia a quem lá vivia, o que talvez fosse muito… Se estivéssemos numa
de fraternidade, direccionavam-se as antenas para Espanha e gravavam-se os
programas dos “40 Principales” o que nos abria as portas para algo mais que os “La
Frontera”.
Lá para os idos de 1988, depois
de termos visto, num VHS do videoclube, o “Bom Dia Vietnam”, com um então
desconhecido Robin Williams para nós, a minha irmã e eu desgravámos umas
quantas k7s BASF que o meu pai lá tinha e emulávamos a voz do original locutor
do filme no velho e roufenho gravador: “BOOOMMM DIA ÉVORAAAAA!!!”.
A programação era variadíssima,
desde anúncios escatológicos com caca de cão nos “perdidos&achados” (o que confirma
a tese do Gato Fedorendo que uma piada com cocó faz sempre rir e que aquelas
duas crianças já então o subscreviam), atuações, ao vivo e em directo da minha
irmã, de temas atualizados do Paco Bandeira (“sou contrabandista de drogas bem
fortes, heroína, cocaína”…), anedotas à velhos dos Marretas, e, obviamente, a
não nos faltar no catolicismo de bairro operário, as orações ao anjinho da
guarda, de inspiração, quiçá, no terço hertziano em directo de Fátima da RR,
com a supervisão, sempre cristã, da minha mãe (tipo Vítor Melícias ou o do apresentador
do “70x7” cujo o nome não me lembro e não me apeteceu ir confirmar à net).
As k7s eram giras. Os nossos
programas nem tanto. Eram às cores. Amarelas, laranjas, roxas até. Com a
modernidade a caminhar para o Stereo e Dolby Surround perdeu-se o encanto
colorido pelo preto e branco e, na melhor das hipóteses, lá se encontrava uma
transparente a verem-se as bobines, sempre prontas a serem rebobinadas por uma
Bic ou Molín sempre à mão.
A ironia de uma tarde a vermos o
filme do Robin Williams, ou de esta tarde em que a sua morte me fez rebobinar a
minha vida, encontra-se num espólio radiofónico perdido de uma infância feliz,
numa irmã ex-locutora de rádio (que o continuará a ser por vocação) e num gajo
que se continua a rir com uma piada que meta caca à mistura e sabe que nunca
chegará aos calcanhares de um professor como o John Keating.
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