quinta-feira, maio 07, 2015

15 anos de "Morreste-me"

Há 15 anos, um jovem oriundo do distrito de Portalegre preparava-se para ir a uma gráfica buscar a edição de autor de um livro que intitulou “Morreste-me”. Duas manifestações de coragem num só acto: uma, a valentia da edição de autor; duas, o atrever-se a afrontar um tabu através de um ensaio íntimo e pessoal sobre a morte. Não imaginava que tinha sido no mês de maio…
Hoje, esse jovem feito homem, o José Luís Peixoto, desde o distrito de Portalegre para o mundo, partilhou esse facto, essa efeméride que marcou para sempre a literatura portuguesa e a vida de muitos que tocaram, com algo mais que o olhar, as suas palavras.
Foi já bastante tarde que me cruzei com a perda do José Luís. Já admirava o autor, conhecia o livro, supunha que conhecia o assunto, mas ninguém conhece a dor do outro, nem mesmo depois de lê-la na primeira pessoa. Tratava-se do meu medo assumido de abordar essa parte de uma biografia a quem, como se costuma dizer, ninguém escapa.
“Morreste-me” interrompeu-me uma tarde de estudo numa biblioteca do distrito de Portalegre. Interrompeu-me com a força escondida que têm os pequenos livros, ocultos por vezes pela lomba imponente do livro do lado, com quem se comparte estante.
Naquele instante de leitura era minha a finitude do progenitor, a infância que se desmoronava não num quintal, sim num pátio onde já ninguém brincava comigo nem se sentavam no portado a apanhar o fresco dum verão sem finais de tarde… “Morreste-me” era também as minhas ruínas, aquelas ausências, cujo medo assumido sempre me impediu de encontrar-lhe beleza ou consolo.
Nunca fui capaz de falar muito sobre este livro, muitíssimo menos escrever. Apercebo-me, no entanto, que está muito presente, mesmo que em silêncio, no meu círculo de afectos. Assumi-lo dá-me um certo orgulho vulnerável, diferente de outros orgulhos que espelham o meu ego com um sorriso que assobia sem que se note.
“Te me moriste”, a tradução ao espanhol do Antonio Sáez é também ela, nas palavras deste meu mestre e amigo, “um processo de luto apropriado das palavras do Peixoto”.
Não sendo um diário de luz e sombra, “Te me moriste” tem tanta luminosidade e escuridão como a “campiña” comum ao meu irmão José Antonio Santiago, onde nos ardem tanto os que perdemos, como o incêndio que pintou Jola cor de cinza. Essa dor morta-viva, ao bom estilo zombie agora na moda, que se levanta do peito para lembrar-nos que a morte nunca está oculta se se está atento à vida.     

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