segunda-feira, setembro 19, 2016

Os olhos de meu pai

Não herdei os olhos do meu pai. Herdei parte do seu olhar, uma visão limitada auxiliada por próteses de lentes graduadas e, no meu caso, por tantas palavras grafadas em livros de tantas vidas com as quais me cruzo. 
Após ter, há uns meses, o meu pai deslocado a retina, hoje acompanhei-o a um catedrático da oftalmologia com jeito para contos e pequenas estórias. Vinha preocupado, ansioso por saber se a vista turva se devia a uma má recuperação ou se era algo mais. 
Enquanto fazia uma bateria de testes, lhe dilatavam a púpila, lhe mediam a tensão ocular, etc., senti o orgulho da minha companhia misturado com a necessidade de me ter presente. Ali estivemos o tempo que foi necessário e eu, que tanta falta me fazia, senti-me um filho sabedor do que é ser pai. 
Diagnosticaram-lhe uma recuperação da retina, já bem soldada a laser, com umas cataratas moderadas, inevitáveis e progressivas com a idade. 
Na receção, consultámos a agenda do médico para uma revisão dentro de três meses. Ainda não era possível marcar consulta e voltámos à minha casa. 
De caminho, parámos na farmácia para colírio e comprimidos. Enquanto conduzia nesse trajeto, o meu olhar fixou-se neste momento em que vi como a nossa visão é determinante para identificarmos o nosso lugar no mundo. Por sorte estava ali, com ele, deslocado do passado mas bem soldado e focado nos exemplos que vivi.


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