quinta-feira, outubro 31, 2019

Não te minto, jamais te mentirei.

A mãe diz que és extremamente sensível, filho. Que és diferente do mano nesse aspecto, que ele é mais indiferente às coisas de dentro e, por isso, sofrerás mais.
Digo-lhe que não estou de acordo. É impossível prever o ser emocional adulto que serás. Não herdarás determinismos da minha parte, filho. O teu irmão tão-pouco. Sejas o que fores, estarei contigo, no teu peito, nesse nosso segredo plantado, e aceitar-te-ás de acordo com as circunstâncias que tiveres, sem baixares os braços e a olhá-las de frente. 
Não te minto. Jamais te mentirei. É possível que sofras, que sintas dores desproporcionadas de juventude, mas a tua nobreza, as lágrimas hoje no meu ombro, os teus oito anos sem entenderem como podem os adultos ser tão pouco inteligentes face a problemas imaginários, fazem de ti único, uma criança especial que se emociona num mundo necessitado de voltar a aprender a chorar.
O orgulho em ti torna aquoso o meu olhar, filho. Contemplo-te e vejo uma criança excepcional por mérito próprio. Não to direi para não compurscar uma pureza tão difícil de manter. Sei-o porque a perdi e, graças a vocês, a deixei de procurar. Mas abraçar-te-ei e dir-te-ei como te amo. Como vos amo...

Crente discreto

Crente discreto,
vê um Deus, mas duvida
de religiões.

quarta-feira, outubro 30, 2019

Programa "Tão Cerca", Cadena Ser (16/X/19)


A los que nos gustan los cómics, sabemos que Robin jamás sustituiría a Batman o Bucky Barnes a Steve Rogers, y lo mismo me pasa. Tampoco sustituiré a mi amigo Javier Figueiredo en el programa “Tão Cerca” de Cadena Ser, a quien ya se le echa de menos y a quien agradezco la confianza que hoy me permite disfrutar de la compañía de Gaspar García González y unir mi voz a la suya para divulgar (o divagar) un poco una lengua, y una cultura, con un clarísimo sabor a mar… la lengua portuguesa.

Todos os que gostam de BD sabem que o Robin jamais substituiria o Batman ou o Bucky Barnes o Steve Rogers e, o mesmo, me acontece. Tão-pouco substituirei o meu amigo Javier Figueiredo no programa “Tão Cerca” da Cadena Ser, de quem já se sente falta e a quem agradeço a confiança que hoje me permite desfrutar da companhia do Gaspar García González e unir a minha voz à sua para divulgar (ou divagar) um pouco uma língua, e uma cultura, com um claríssimo sabor a mar...  a língua portuguesa.

Para ouvir o programa, clique:




O café curto...

O café curto
dá horizonte ao meu
dia em cheio.


terça-feira, outubro 29, 2019

Estos son mis anacrónicos...

«El hombre moderno vive ajeno a esas sensaciones inscritas en lo profundo de nuestra biología y que sustentan el placer de salir al campo.» Miguel Delibes
Estos son mis anacrónicos...


Os velhos versos...

Os velhos versos
não foram apagados.
Vá-se lá saber...

«La naturaleza no tiene que esforzarse por ser importante. Lo es.» - Robert Walser

La naturaleza no tiene que esforzarse por ser importante. Lo es. - Robert Walser

Robert Walser

segunda-feira, outubro 28, 2019

Aflijo-me




Há muito que não voltava aos “Diários” de Miguel Torga e os lia a salto de moita, parando-me em muitas das suas entradas. Hoje, como que de volta a um lugar onde me posso sentar descansado, não consegui desapegar-me destas suas palavras:

“(...)Mas a minha fraqueza maior é não poder desprezar ninguém, mesmo os próprios inimigos. São meus semelhantes, apesar de tudo, e eu não consigo descrer no homem, seja ele como for. Em vez de os esquecer, trago-os no pensamento. Sofro por eles. A minha grande alegria é admirar os outros, e procuro encontrar em cada um as linhas positivas do seu caminho. Afinal somos todos elos de uma grande corrente, e é pelos ferrugentos que ela pode quebrar. Aflijo-me, solidário com a sua humanidade, que gostava de ver mais generosa, sem reparar que o tempo desaparece, alheio às razões que impedem a semente de germinar.”. (in “Diário III”)

Tinha 39 anos. Tenho 39 anos. Aflijo-me.

Miguel Torga


domingo, outubro 27, 2019

Razão...

Por esta internet, e redes sociais, vejo tanta gente a querer ter razão que nem perco tempo a argumentar o que quer que seja. Cara a cara, numa conversa civilizada, ainda sou capaz de refutar se não estiver de acordo e se o meu interlocutor for digno de respeito intelectual. Se não, aplico a mesma filosofia para o mundo digital, isto é, não abrir a boca ou mexer uma palha para escrever a minha opinião.

O que me deixa boquiaberto é mesmo o facto de uma esmagadora maioria achar-se detentora de verdades universais, achar que a sua opinião merece o mesmo estatuto do honesto estudo científico. Para um casmurro como eu, teimoso dos cinco costados como o meu avô João Leal, ou como o nosso rafeiro alentejano, dar o braço a torcer nunca me custou se sou derrotado com a razão, com a inteligência que me escapou, porém, se cá por dentro a certeza se ergueu com tijolos e pedras com certificado de qualidade e honestidade, bem podem ficar à espera sentados. Não me desmonto da burra se o que à minha frente está não atinge os mínimos exigidos por mim e o meu jumento. Não o faço com alarido, normalmente. Opto por pastar onde me deixem sossegado. 

Revoluções? Gostava de ter vivido a dos meus pais. Vivi os restos e, agora, a única revolução que sinto poder ter, é não deixar que estes que gritam razões e palavras de ordem, poluam o que ainda vou pensando e vendo do mundo.

Cinismo? Ainda não. Pode ser que lá chegue um dia (algo que me desagradaria), contudo essa não é a minha razão para continuar a deixar por escrito o que vou vivendo... 

Parafusos e porcas...

Gosto de parafusos, porcas, anilhas e toda essa parafernália de ferragens que fazem parte de quase todos os objectos do nosso dia-a-dia. Sou daqueles que se vêem um parafuso no chão não o deixam abandonado e o recolhem numa caixinha, repleta de divisórias, para usos futuros. O certo é que muitíssimas das ferragens acolhidas têm conhecido segundas oportunidades, como os parafusos de fenda hoje recuperados para os guarda-lamas da bicicleta da Elsa. O meu filho mais velho faz o mesmo. Sei que o faz por imitação e não lhe escondo o meu orgulho, dizendo-lhe «vais ver que esse parafuso ainda nos vai desenrascar!».

Um exemplo disso foi, há uns meses, em León, estávamos num parque da cidade onde tinha havido uma feira, com comes e bebes, na noite anterior. No meio das brincadeiras, foi um regalo vê-lo com o irmão apanhar mãos cheias de porcas que por ali ficaram abandonadas. Algumas já as usámos, no barracão da aCourela, principalmente, porém outras estão guardadas nesses compartimentos para as segundas oportunidades de bricolage caseira.

Encontrar algo útil, como estas ferragens, é tão importante para mim como encontrar um primeiro verso ou uma frase desbloqueadora do que me vai por dentro.  Parece que tudo encaixa, ou enrosca para ser mais concreto, num perfil que gosto de comparar com ideologias políticas: para a esquerda alivia, para a direita aperta. O centro não me traz analogias para este tipo de mãos à obra.

Contudo, ter as mãos sujas de óleo é sinónimo de realização pessoal como é o calo na falange do dedo medio direito ou do cansaço dorsal do ecrã do portátil. Escrevo isto a correr o risco de ser interpretado como um funcionário público a fazer-se passar por pseudo-operário. Talvez o seja, mas não me preocupa como me vêem. Preocupa-me como me sinto. Os parafusos cada vez mais desapertados pela sociedade, em que os próprios líderes mundiais denunciam a falta de um, dois, ou vários fundamentais ao seu exercício cerebral, não ajuda muito. Tenho pena da dignidade das mãos sujas de trabalho cada vez menos quererem agarrar um livro, cada vez mais se aliviarem nos ecrãs tácteis e perderem a consciência da sua essência, da sua classe. Classes sociais inconscientes do seu lugar no sistema é assustador e não  me augura solidez democrática e veta a passagem à mobilidade social. Os pobres de hoje dificilmente ascenderão a uma classe média e riqueza só em sonhos.

Enfim, a verdade é que, para mim, as porcas e os parafusos, se o torno e o trabalho de torneiro for de qualidade, encontram sentido para as suas existências em espiral. Enroscadas erguem e dão firmeza a todo tipo de construção e obras de diversas engenharias humanas. Encontro alguma felicidade e consolo de chave de fendas, philips ou aparafusadora na mão. Do empirismo das ferramentas alimenta-se muito boa gente. Não necessito sujar as mãos de óleo para comer e não tenho de trabalhar como operário, como o fez parte dos meus no passado para que pudesse estudar e optar por outro rumo profissional. Hoje olho para o que faço e sei que, quando tudo parece não ter sentido no meu trabalho, posso encontrar as minhas pequenas obras desenrascadas com parafusos que por aí andaram tão perdidos como eu...

quarta-feira, outubro 23, 2019

Castro Alves o "poeta dos escravos"

Machado de Assis chamou-lhe «poeta dos escravos» e, só por isso, fiquei com vontade de conhecer a obra de Castro Alves. Comecei por estes versos, num histórico e belo alfarrabista de Lisboa:
"Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro cahindo n'alma
É germen - que faz a palma.
É chuva - que faz o mar."

terça-feira, outubro 22, 2019

«Filho de peixe sabe nadar...»

"O filho de peixe sabe nadar porque o papá pagou aos tratadores do aquário por um tratamento especial e uma comida rica em proteínas". Este é um "update" do velho provérbio português que aqui deixo para não me esquecer... Ou talvez devesse esquecer... Sentir-me indignado não é uma coisa que me faça bem à saúde.

segunda-feira, outubro 21, 2019

A paisagem...

A paisagem é
mais do que se vê, é o
que temos dentro.

PAI/PADRE (MÁRIO CASTRIM)

PADRE (MÁRIO CASTRIM)

difícil casi

durmiéndome

te oigo metiendo
la llave en la puerta

Empujándola. Cerrándola
dulcemente.

Entrando en la habitación
a oscuras.

Acercándose. Besándome
el sueño.

La barba
pica.

Serenamente en fin la casa duerme.


PAI

difícil quase
a dormir

oiço meter
a chave à porta

Empurrá-la. Fechar
docemente.

Entrar no quarto
às escuras.

Abeirar-se. Beijar-me
o sono.

A barba
pica.

Serenamente enfim a casa dorme.

MÁRIO CASTRIM, in A MOEDA DO SOL (Campo das Letras, 2006)