segunda-feira, fevereiro 28, 2022

“Alma de 127 – 50 anos de um amigo irrequieto” – Luis Leal ("Diário do Sul", 28/II/2022)

       Manuel Vilas em Alegria (2019) escreveu: “O Renault 5 e o Seat 127 eram os utilitários que triunfavam na Espanha daquele tempo. Esses dois carros foram Espanha inteira e significavam que o Seat [Fiat] 600 tinha morrido e tinha aberto caminho a veículos com mais design, mais audazes nas formas e nos motores, mais livres, mais sofisticados. Esses dois carros avisavam que se avizinhavam mudanças políticas. A indústria automóvel sempre fez gala de clarividência política. Apercebe-se das mudanças antes da literatura, da arte e da filosofia”. No caso português apenas difere que foi o Fiat 127 a avisar-nos que a nossa transição para a democracia far-se-ia com uma revolução.
Imagem de 127 MK2, o primeiro carro de muitas mulheres do último quarto do século XX.

     Em 1972, apesar do seu nascimento em Itália no ano anterior, Portugal vê os primeiros 127 MK1, de duas portas, serem comercializados e rapidamente se tornarem o carro da moda (e do ano!), com uns rotativos 900cc e 47cv de potência, por uns módicos 95 contos (para quem já não se lembra, ou não viveu em escudos, cerca de 20.000 euros, de acordo com o conversor Pordata). Se na vizinha Espanha a patente da Seat representou boa parte do seu povo, Portugal não ficou atrás e, fiel à casa-mãe, montou todas as versões do Fiat 127 na SOMAVE, na linha de montagem portuguesa, como conferimos em 82.000 unidades (dados não-oficiais) com a chapa azul correspondente debaixo do capô, ao lado da placa do número de série, prova de Vendas Novas ser o centro nevrálgico de onde saiu, entre 1972 e 1982 (às vezes com lista de espera), um carro acessível à classe trabalhadora a sonhar com um horizonte de classe média, que, a dias de hoje, parece ter sido uma quimera.
Lançamento, em Itália, do modelo 127 MK1 da Fiat (1971)

O Fiat 127 foi carro do ano em 1972, ano em que se começou a comercializar em massa fora de Itália.

Basta um pouco de honestidade intelectual e encontramos no 127 a primeira massificação automobilística verdadeiramente disponível para o povo português, num país a emergir duma ditadura, esperançoso num futuro de abertura, de crescimento económico e de estímulo ao consumo. Encontramos no Renault 4L (talvez mais do que no R5), na Citroen Dyane e no Mini fenómenos semelhantes, porém, creio que nenhum ilustra de maneira tão contundente uma “alma de pobre” que se atreveu, com genica e funcionalidade, a intrometer-se no imaginário português dos anos 70 e 80, começando a sair de cena a partir dos anos 90, década em que, a par do crédito fácil e da agressividade comercial de outras marcas, foi sobrevivendo em aventuras simples de off-road ao fim-de-semana (envergonhando muitos jipes) ou em trabalhos sujos de gente com um carro principal, mais limpo e moderno, à porta de casa. Com a viragem do milénio, o fenómeno acentuou-se, o abate de veículos incentivou-se, e o fiel 127, entre as vias de extinção e a nostalgia, foi elevado a clássico, mas não ao panteão dos MG, Mercedes e companhia, pois até os clássicos são classistas! Por outras palavras, ascendeu a “clássico popular”, na senda dos Carochas, 2CVs e Minis, o que nos leva, em 2022, a celebrarmos o seu desassossegado meio século. 
Modelo Seat 127 MK2 em aventuras "off-road" em 2012 (Marrocos - Foto de kico Moncada)

A "Guardia Civil" em Espanha soube aproveitar a versatilidade do Seat 127.

    Era o Meat Loaf quem dizia “se a vida é apenas uma via rápida, então a alma é apenas um carro” e dou por mim a olhar pelo retrovisor e ver que já conduzi carros alemães, franceses, ingleses, japoneses..., porém nenhum me ficou tanto na alma como o 127. Na verdade 127’s, no plural, pois pela minha vida passaram três: o “bolinhas” do meu pai, um MK2 branco; o da minha irmã, um espartano MK1 cor de tijolo-burro; e o meu “Testa Rossa” dos pelintras, como eu, uma matrícula portuguesa habituada a rodar em Espanha, lado a lado com a primeira versão do “hermano” Seat 127! Se o do meu pai foi comprado pelo meu avô para viver connosco mais de 20 anos, se o da minha irmã foi o carro inaugural da sua vida laboral, o meu 127 foi uma homenagem à nossa narrativa familiar e uma tentativa de manter vivas as imagens duma infância a desaparecer pelo pára-brisas traseiro que o tempo, dono disto tudo, decidiu guardar apenas para si. Melancolia à parte, foi também um trabalho de honesta investigação com horas de agradável arqueologia de sucata.
Évora, Carnaval de 1983/84, frente de Fiat MK2.

    Aristóteles provavelmente não estaria de acordo comigo, mas se tenho na alma este trio saído de Vendas Novas, o meu 127 tem alma e acredito que, para além de ter o último quarto da história do século XX anotado no chassi, esta máquina irrequieta também tem algo deste escriba (e não tivéssemos ambos sido matriculados no mês de Maio, eu no dia 2, em 1980, e ele, averbado a “vermelho e mais cores”, no dia 3 de Maio de 1976!). No entanto foram precisos 33 anos para nos encontrarmos pela primeira vez em terras raianas de Valencia de Alcántara. Ele vindo de Marvão, uma carroçaria oxidada mas com sabedoria de engrenagens bem oleadas, e eu, oriundo de Évora, fascinado pela sua ferrugem e ansioso por formar parte da sua biografia. À volta, enquanto o meu pai me perseguia no meu carro quotidiano, desfrutei de uma das viagens mais prazenteiras e frugais que tive ao volante, acompanhado por um rádio roufenho e ao ritmo da infracção, isto é, a 120 km/h numa nacional!
FV-18-08 e Luis Leal, Fevereiro de 2020.
    
    Os anos seguintes foram duros para ambos. Eu a enfrentar-me cada vez mais aos desafios ingratos de adulto e ele parado a ser restaurado aos poucos pelo Sr. Bravo, um Miguel Ângelo bate-chapas com oficina no Bairro da Torregela. Mantínhamos contacto aos fins-de-semana, quando regressava para ver a família e lhe trazia notícias de como me ia a vida lá para o outro lado da fronteira. E ali estava o meu amigalhaço a ouvir-me atento e desinteressado de qualquer proveito próprio, apesar de nunca ir de mãos a abanar, tanto era capaz de lhe levar uma porta nova, um embelezador qualquer, cintos recém-chegados de Itália, um manómetro de um homólogo espanhol, etc. Enfim, quem me trata bem merece reciprocidade e aquele vetusto 127 tornara-se mais do que meu confidente, tornara-se um amigo da alma.
A verdadeira "alma" do 127: um motor de 900cc (com 47 cv) numa carroçaria apelativa para a época.
    
    Começámos a recuperar o fulgor em 2012. Ele com um “lifting” (restaurado de A a Z, como se diz na gíria) e eu babado com o meu primeiro filho, a passearmos felizes, mas sem a segurança ISOFIX pelas ruas de Évora. Os anos seguintes, sempre protegido pelo cuidado meticuloso da garagem dos meus pais, foram os da consagração. O meu amigo entrou num programa de televisão do Canal Extremadura, passeou pelas estradas alentejanas, presumiu de elegância retro em alguns casamentos e batizados, foi presença assídua nas ruas de Elvas e Badajoz e viu ser-lhe posta mais uma cadeirinha para o meu segundo filho, tudo isto com a banda sonora de k7s áudio, de lado A e B, que nos obrigou a ir mais lento – possivelmente sem a melhor qualidade associada ao pós-modernismo que em troca só nos dá obsolescência programada  –, mas mais seguros de nós próprios, o que nos ajudou a superar confinamentos, distâncias físicas (os dois achamos isso de “distanciamento social” uma treta!) e a perda do estacionamento seguro eborense. Ainda estivemos algum tempo protegidos pelo ambiente bucólico, numa bela quinta, onde o pôr-do-sol tem cores de aquarela. Ali o 127 enriquecia a paisagem, como o enriqueceu o meu terceiro filho. 
Évora, Templo Romano, 2013.


Fronteira do Caia, 2014, a emular a viagem de Win Wenders em Lisbon Story (1994)

Pormenores das gravações do programa "Falamos Português" (2013) do Canal Extremadura Televisão

    Impôs-se a realidade através da fragilidade. Mais uma vez o tempo, amo e senhor, indiferente a dilemas de segurança do presente, tal como as gerações anteriores que brincaram no assento traseiro dos automóveis da sua época. A verdade é que quando conheci o meu amigo era apenas um jovem comprometido com a história e os afectos reminescentes nos cromados dos seus pára-choques. No dia em que nos despedimos não o fiz sozinho, fi-lo com uma família considerada numerosa para o paradigma do século XXI. A despedida não foi custosa, pois quem estima deseja que o outro mantenha o seu brilho e assim continuará o FV-18-08, a luzir uma alma que perdurará além da própria saudade e do fim dos combustíveis fósseis! Estamos a falar dum 127, essa matriz ladina e latina que inspirou o 147 no Brasil e na Argentina, teve versões comunistas na Europa de Leste e, sem conflitos a necessitar intervenção americana, foi a base do russo Lada Niva! Mas o mais importante é o valor da amizade e o valor que me ensinou a dar a tantas coisas... Antes do adeus rimo-nos quando lhe disse: “Eh pá, tu daqui a mais 50 anos ainda por aqui andarás para as curvas, já eu duvido muito!”. 

Fiat 127 e Luis Leal (2013), Évora, Alto de São Bento.

(Texto escrito de acordo com a antiga grafia)

Cf. Luis Leal, “Alma de 127 - 50 anos de um amigo irrequieto”, Diário do Sul - Dom Quixote, Suplemento de Artes e Letras, ano 53, nº 14.219,  28/II/2022, p. 5.

Mais fotos algumas fotos deste modelo com alma:



O 127 dos meus grandes amigos Ángela e Pedro (anos 90).

Umas fotografias de José Silva Pinto

 





José Silva Pinto - Carnaval de Luanda, 2008





Luis Leal, “Alma de 127 - 50 anos de um amigo irrequieto”, Diário do Sul - Dom Quixote, Suplemento de Artes e Letras, ano 53, nº 14.219, 28/II/2022, p. 5.


Sempre que volto às páginas do “Diário do Sul” volto a casa, volto a Évora e sinto vários graus de felicidade. Estou muito feliz por ver esta “Alma de 127” publicada nas suas páginas. Se lerem, para além de uma certa historiografia, comprovarão que é o reconhecimento de uma história de amizade. Bom Carnaval! (No blog têm uma versão mais adequada à leitura e mais completa ao nível das imagens.)

Siempre que vuelvo a las páginas de “Diário do Sul” vuelvo a casa, vuelvo a Évora y siento varios grados de felicidad. Estoy muy feliz por ver esta “Alma de 127” publicada en sus páginas. Si la leéis, además de una cierta historiografía, vais a comprobar que se trata del reconocimiento de una historia de amistad. ¡Buenos Carnavales! (En el blog tenéis una versión más adecuada a la lectura y más completa al nivel de imágenes.)

Luis Leal, “Alma de 127 - 50 anos de um amigo irrequieto”, Diário do Sul - Dom Quixote, Suplemento de Artes e Letras, ano 53, nº 14.219,  28/II/2022, p. 5.

Mais de três décadas depois o "Esquadrão Classe A" ("A-Team", aka "Soldados da Fortuna") volta a entrar em acção...

Mais de três décadas depois o "Esquadrão Classe A" ("A-Team", aka "Soldados da Fortuna") volta a entrar em acção... Em La Carolina, Jaén, a preparar a logística para ir buscar o resto da equipa. (27.02.2022).

quinta-feira, fevereiro 24, 2022

3 apontamentos parvos de um dia parvo (e cinzento)

3 apontamentos parvos de um dia parvo (e cinzento):
1° O Vladimir é um filho da Putin;
2° O discurso sobre a invasão da Ucrânia de Boris Johnson é a prova evidente de que até um grande idiota é capaz de brilhantes eloquências;
3° (Pela raia) O Sr. Rondão de Almeida vai ser o próximo presidente da Eurocidade (Badajoz, Elvas, Campo Maior). Mudar-se-á o nome da nova ponte sobre o Guadiana para Ponte Rondão de Almeida?
3 apuntes tontos de un día tonto (y gris):
1° Vladimir es un hijo de Putin;
2° El discurso de Boris Johnson sobre la invasión de Ucrania es la prueba evidente de que un incluso un gran idiota es capaz de brillante elocuencia;
3° (Por la raya) El Sr. Rondão de Almeida va a ser el próximo presidente de la Eurociudad (Badajoz, Elvas, Campo Maior). ¿Se cambiará el nombre del nuevo puente sobre el Guadiana a Rondão de Almeida?

24.02.2022 A Rússia invadiu a Ucrânia

Levantei-me à pressa para ir ao banco fazer um depósito, deixei os miúdos preparados para a escola, mas não ouvi o resumo das notícias na rádio como sempre faço. Fui ao banco, entrei no Google só para ver uma comparativa entre motores diesel e gasolina, enviei dois WhatsApp, um a desejar as melhoras ao Quique (a recuperar de um trombo no hospital) e outro ao Pedro, a dar-lhe uma possível notícia familiar. Ele, do outro lado, envia-me o seu reforço positivo e termina com: "Luis, ¡Mira el hijo de Putin!".
Pensei que fosse algum altercado nas regiões já ocupadas, mas não, a Rússia, às 4 da manhã, invadiu a Ucrânia. Mais uma guerra em solo europeu, mais uma vez a geopolítica a impor-se às Nações Unidas. O pior é que não confio em ninguém, nem nos agressores, nem nos que estão com a Ucrânia, principalmente, os senhores dos EUA. Só acredito nas pessoas que não querem a guerra e que conhecem muito bem a história. Sinto que há aqui coisas muito mal contadas... Espero que não se contem mais cadáveres que os 8 desta madrugada.

quarta-feira, fevereiro 23, 2022

"La máquina de escribir "- Francisco Umbral


LA MÁQUINA DE ESCRIBIR - Francisco Umbral

Pequeña metralleta entre mis manos,
máquina de  matar con adjetivos,
máquina de escribir, arma del tiempo.
En todas las mañanas de mi vida,
el tableteo audaz de mi olivetti,
ese ferrocarril de ortografía
en que viajo muy lejos de mí mismo
o retorno a los campos de la prosa
para reñir batallas en mi lengua
con todos los que mienten, los que gritan,
con los que escriben en feroz tanqueta
para no decir nada y meter miedo.

Vieja olivetti verde, azul o negra,
escalinata alegre de las letras,
sobre esta escalinata, una mañana,
me encontrarán tendido, no vencido.
Libros, papeles, cosas y poemas
han salido y saldrán de este cacharro.
Pavonado revólver de mi prosa,
sus muecas son ministros fusilados,
canto de codorniz, canto de urraca,
como las que ahora pueblan el jardín.
Alegría y salud, mi vieja máquina
me regala un estilo, una escritura
y las gentes se paran para verlo.

14.V.2000

O indicador nepotista...

Desde as cavernas da pré-história, passando pelas arenas do Império Romano, até ao “smartphone”, o dedo decisivo não é o polegar, mas sim o indicador nepotista, como indigita o seu carácter impositivo sobre os outros quatro dedos e sobre a resto da humanidade.    

Toda a vida fora... (9/II/2022)

9/II/2022

Toda a vida fora apolíneo, zenital como o sol de meio-dia, até que lhe quiseram impor a noite com argumentos incertos de seca e risco de incêndio. Adaptar é um verbo de resistência transitiva e, quando todos pensavam no seu ocaso, as luzes que se viam eram as da madrugada, do dia que teima em recomeçar. 

domingo, fevereiro 20, 2022

Sou invadido...

Sou invadido por um sentimento de humildade sempre que estou perante raízes tão profundas. Para um céptico como eu, talvez seja o mais próximo da eternidade. (20.II.2022, Vale do Pereiro, "Sobreira Grande")

Me invade un sentimiento de humildad siempre que estoy ante raíces tan profundas. Para un escéptico como yo, quizás sea lo más cercano a la eternidad. (20.II.2022, Vale do Pereiro, "Sobreira Grande")

sexta-feira, fevereiro 18, 2022

Cristina García Rodero - Escuela

 


Una fotografía de la gran Cristina García Rodero, miembro de la Agencia Magnum: Escuela. Nos quedamos sin saber la fecha.




quinta-feira, fevereiro 17, 2022

Se o WD-40...

Se o WD-40 desbloqueasse versos, quantos poemas escreveria nesta minha oficina, onde, felizmente, o quotidiano se impõe às minhas prentesões de literato. 

Si el WD-40 desbloqueara versos, cuántos poemas escribiría en este taller mío, donde afortunadamente el día a día se impone a mis pretensiones de literato.

quarta-feira, fevereiro 16, 2022

Quando me ponho...

Quando me ponho a ter pena de mim próprio não me apercebo do egocentrismo que me invade. Estar atento ajuda, mas, muitas vezes, é insuficiente, tenho de exteriorizar, libertar-me, nem que seja através da escrita.

terça-feira, fevereiro 15, 2022

Em doses mal calculadas e desproporcionadas, o relativismo...

Em doses mal calculadas e desproporcionadas, o relativismo é uma bomba atómica contra o território da ética, e bem mais devastadora do que as de Hiroshima e Nagasaki.

segunda-feira, fevereiro 14, 2022

Patrick Milan - On the bench

 


Patrick Milan - On the bench, 2019




sábado, fevereiro 12, 2022

"Ya somos el olvido que seremos." - Soneto atribuido a Jorge Luis Borges

Ya somos el olvido que seremos.
El polvo elemental que nos ignora
y que fue el rojo Adán y que es ahora
todos los hombres y los que seremos.
 
Ya somos en la tumba las dos fechas
del principio y el fin, la caja,
la obscena corrupción y la mortaja,
los ritos de la muerte y las endechas.
 
No soy el insensato que se aferra
al mágico sonido de su nombre;
pienso con esperanza en aquel hombre
 
que no sabrá quien fui sobre la tierra.
Bajo el indiferente azul del cielo,
esta meditación es un consuelo.

(Soneto atribuido a Jorge Luis Borges)

quinta-feira, fevereiro 10, 2022

A resistir, vertical, onde parece não importar a ninguém... (Cerro del Viento)


Apuntes: 'El árbol solitario. La verticalidad de resistir al viento, al tiempo y al hombre. Sin agresividad, sin rencor, después de la barbarie. Sin interesar a nadie. Dignidad. ¿Qué me diría más si hablara?" (Badajoz, "Cerro del Viento", 10/II/2022)

Apontamentos: "A árvore solitária. A verticalidade de resistir ao vento, ao tempo e ao homem. Sem agressividade, sem rancor depois da barbárie. Sem interessar a ninguém. Dignidade. Que mais me diria se falasse?" Badajoz, "Cerro del Viento", 29/II/2022)

quarta-feira, fevereiro 09, 2022

Da mente ao papel...

Da mente ao papel há dois abismos: o abismo da vontade da escrita e o da oportunidade de escrita, este último também conhecido como "a falha do esquecimento".

terça-feira, fevereiro 08, 2022

Olho para o monte de fraldas...

Olho para o monte de fraldas mudadas durante o dia e sou conquistado por um pensamento capitalista: "E se investisse em acções da Dodot?". Rapidamente me refuta o humanista que me identifica: "É um mau investimento, não te lembras da crise demográfica em que vivemos!?". Mas o capitalismo selvagem, que todo o homem moderno leva dentro, ruge sem vergonha e a cagar-se ainda mais para a moral do que o meu filho bebé: "Estúpido, há-de haver sempre incontinência, principalmente a dos velhos!".

(O que mantém a minha reputação de pessoa decente não é qualquer ética, é o simples facto de não ter dinheiro para investir na bolsa. O mais parecido é este saco que tenho de fechar bem, levar para o lixo, não vá o ambiente doméstico cheirar pior desnecessariamente.) 

El insomnio tiene efecto de almohada en el pensamiento...

El insomnio tiene efecto de almohada en el pensamiento, además de despeinarte, libera demasiados pensamientos descabellados.

Sonhar com o livro que estás a ler...

Sonhar com o livro que estás a ler é um dos poucos momentos em que a literatura verdadeiramente triunfa sobre o cinema.

segunda-feira, fevereiro 07, 2022

“Tanto no JUDÔ, quanto na POESIA, qualquer hesitação pode significar a falência de um golpe ou de um movimento” - Paulo Leminski

“Tanto no JUDÔ, quanto na POESIA, qualquer hesitação pode significar a falência de um golpe ou de um movimento” - Paulo Leminski

Na foto abaixo, Paulo Leminski troca golpes com o músico Jorge Mautner. (Foto: Orlando Azevedo, 1979)

Entrevista a Luis Leal por Noelia Cabrera Rodríguez para o projeto “Em contacto – Nós por cá e eles por aqui” (Fevereiro de 2021)


Quanto mais seriedade vou dedicando à escrita, menos me levo eu a sério. Gosto deste paradoxo e sinto-me bem com ele. 
- Luis Leal em
entrevista a Noelia Cabrera Rodríguez para o projeto “Em contacto – Nós por cá e eles por aqui” 
Noelia Cabrera Rodríguez e Luis Leal na entrada do IES Rodríguez Moñino de Badajoz (26 de Fevereiro de 2021, foto de Catarina Lages)

O entrevistado chama-se Luis Leal, natural da cidade de Évora e licenciado em Ensino de Português e Inglês pela Universidade de Évora, mestre em História da Arte e doutorando em Línguas e Culturas na Universidad da Extremadura. Exerce funções de professor de língua portuguesa na Consejería de Educación de Extremadura, em Espanha, ao mesmo tempo que colabora na imprensa espanhola e portuguesa, na rádio (onde é colaborador do programa “Tão Cercada Cadena Ser), depois de ter passado por duas temporadas como coapresentador do extinto programa do Canal Extremadura Televisión, “Falamos Português”. A par do seu percurso académico e profissional, também podemos encontrar o seu contributo em alguns escritos de carácter lírico, mas principalmente transfronteiriço, o que o leva a assumir-se como “um cronista entre duas terras”.

1. Porque decidiu viver em Espanha? Como começou a sua vida como professor na Extremadura?
Antes de mais, muito obrigado por acharem que tenho perfil para ser entrevistado para o vosso projeto. É um prazer poder partilhar convosco o que tem sido a minha vida entre Portugal e Espanha. 
Agora sim, para tentar responder à pergunta, devo dizer que nunca pensei viver em Espanha, pois para mim, nascido e criado em Évora, Espanha estava ali ao lado, sendo mesmo como uma continuação da região onde vivia, com uma língua presente no nosso dia-a-dia (ainda sou do tempo em que se via mais televisão espanhola do que portuguesa no Alentejo) e com urbes mais acessíveis do que a própria capital de Portugal. Recordo perfeitamente que era mais fácil ir a Badajoz do que a Lisboa durante a minha infância e adolescência. Portanto, o facto de ir residir para a Extremadura, quando a minha matriz é raiana, acabou por ser uma coisa natural, fruto, também, da escassez de emprego na docência no início do século XXI. Daí que cheguei à Extremadura, pela primeira vez na qualidade de professor, no ano de 2005 e, desde então, esta região é também a minha casa e Espanha a minha segunda pátria cívica.

2. Já foi professor noutra parte de Espanha ou só na zona da comunidade de Extremadura? 
A maior parte da minha atividade profissional tem-se realizado na Comunidade Autónoma da Extremadura, de Norte a Sul, sendo que os primeiros anos residi no Norte da comunidade, em Valencia de Alcántara, onde pude participar em projetos relacionados com a língua portuguesa em Cáceres, Coria, Plasencia, entre outras localidades. Desde que me estabeleci em Badajoz, também tenho podido divulgar o português noutros locais, recordo-me de Mérida e Zafra, por exemplo. Fora da Extremadura, felizmente, quer como docente, quer no âmbito da escrita, tenho podido partilhar a minha experiência em sítios como Zamora, Salamanca e Valladolid, de onde guardo gratas recordações. Também tenho visitado bastante a Galiza, mas mais a título pessoal, sendo uma região que me fascina e à qual sempre espero regressar.

3. Alguma vez esteve envolvido em projetos que trabalhassem a relação Portugal/Espanha? Se sim, em que âmbitos?
Esta pergunta é, para mim, bastante difícil de responder com alguma exatidão, pois, inclusivamente antes de direcionar a minha vida profissional e pessoal para Espanha, já colaborava em projetos transfronteiriços, ainda mesmo na minha época universitária e de associativismo juvenil. No entanto, desde que estou na Extremadura já participei em projetos cofinanciados pela União Europeia, pelo Gabinete de Iniciativas Transfronteiriças, projetos de âmbito escolar, académico, de divulgação cultural, com programas na rádio e na televisão, entre outros que, sinceramente, de maneira mais ou menos direta, não sei precisar. Atualmente, creio que há que dar espaço às novas gerações (há gente muito bem formada e, igualmente, seres humanos muito interessantes relacionados com as relações transfronteiriças), daí que tenho focado a minha atenção na investigação do nosso património cultural ibérico, na sua divulgação e preservação. Continuo ativo e com projetos, porém, com outro tipo de dedicação. Para fazer uma analogia, antes era mais um operacional, um agente ativo no terreno, hoje prefiro analisar essa experiência e, se for capaz, dissertar sobre ela, quem sabe para deixar alguma constância desta realidade tão rica (e, por vezes, difícil de gerir) de quem vive e faz parte de duas culturas.

4. O Luis já trabalhou e participou em atividades de diferentes âmbitos como na rádio, televisão ou na imprensa escrita. Ao longo dos anos, qual é a sua opinião sobre a relação que existe entre Espanha e Portugal? Evoluiu muito essa relação ou continua sem mudanças?
Os tempos que vivemos condicionam a minha resposta. Foi claro e evidente que, desde as últimas duas décadas do século XX e as primeiras do século XXI, as relações entre Espanha e Portugal se pautaram pela cooperação e pela cumplicidade em alguns âmbitos (curiosamente, lembro-me de uma candidatura conjunta dos dois países a um Mundial de Futebol). Foram erguidas tantas pontes, e facilidades de circulação de pessoas e bens entre as duas nações devido à União Europeia, que acabámos por dá-las como algo adquirido e creio que estávamos numa fase que não lhe dávamos o devido valor. A pandemia veio pôr esses dados adquiridos em causa e a emergência de nacionalismos tão-pouco é proclive a cooperações. O facto de termos uma fronteira controlada por motivos sanitários é já um bom exemplo que temos de continuar a promover as relações transfronteiriças, que há que continuar a lutar para que a distância entre Lisboa e Madrid não volte a ser abismal. Enfim, há que continuar a lutar para nos afastarmos desse velho estereótipo “de costas voltadas”.  

5. De todas as atividades que realizou em Espanha em relação à difusão da língua portuguesa, qual podia dizer que marcou a sua vida profissional?
Sem dúvida, os meus primeiros anos na região, a ensinar português numa localidade raiana, de ambiente socioeconómico baixo, iminentemente rural, com alguma escassez de meios e recursos, no entanto bastante mais agradecida do que em outros entornos urbanos que conheço. Gosto de ensinar a língua, tento assumir essa função com o máximo profissionalismo possível, mas o mais importante não é saber se ficaram a falar português sem sotaque ou a conjugar corretamente os verbos. Entre o espanhol e o português não existem problemas comunicativos de base, quem quer comunica. Em resumo, se com a minha profissão posso ajudar alguém a ser mais livre ou a formar-se em várias facetas da vida, sinto-me realizado. Isso, obviamente, a par de sentir-me respeitado como ser humano e profissional. Não se pode pensar que o ensino é só questão de vocação docente, como, às vezes, as administrações e alguns sectores da sociedade querem fazer passar para a opinião pública.

6. Era professor em Portugal? Notou diferenças com os alunos espanhóis em relação à sua maneira de aprender línguas estrangeiras?
Foram poucos os anos que lecionei oficialmente em Portugal (desde os dezoito que dava explicações e aulas ginástica de manutenção – e até Karaté a crianças!), mas iniciei a minha carreira profissional em Elvas, onde fiz o meu estágio profissional, e depois trabalhei em Évora no ensino público, a dar aulas de inglês no primeiro ciclo, e no ensino profissional privado, onde lecionei disciplinas práticas e técnicas de Expressão Dramática e Animação Sociocultural. 
Faltaria à verdade se dissesse que não existem diferenças entre os alunos espanhóis face aos portugueses no âmbito das línguas estrangeiras, e não fossem os lusos privilegiados por um sistema vocálico mais rico e por uma maior exposição linguística a outros idiomas, quando comparados com os seus congéneres espanhóis. Sem dúvida, essa é uma grande vantagem inicial, no entanto o trabalho, a dedicação, a perseverança é o que marca a diferença na proficiência de uma língua e isso não conhece nacionalidades e extrapola a riqueza fonética das línguas maternas. Também há outras externalidades que afetam este tipo de aprendizagens como a formação científica e pedagógica dos docentes, as condições e os recursos disponibilizados pelas administrações, o nível socioeconómico, etc., e ambos sistemas educativos estão sujeitos às suas próprias condicionantes. 
Penso que no espaço de vinte anos, tanto em Espanha como em Portugal, a profissão docente não foi cuidada como deveria. Isto é, estamos perante um reflexo da própria sociedade a tender para os extremos, sem um meio-termo económico e extremamente volátil em valores. Atualmente, a profissão docente oscila entre o vocacional (por vezes a roçar o estoicismo) e a preparação técnica dos seus profissionais e, perdoem-me a franqueza, uma proliferação da mediocridade. Portanto, a minha perspectiva vislumbra essa dicotomia e, sem tender a moralizar, apenas se preocupa com aqueles profissionais que ainda têm muito para se formarem e não reconhecem essa necessidade. Sendo consciente das lacunas que eu próprio tenho, preocupa-me este desprestigio, esta falta de brio vinda de dentro da classe docente (pois temos a tendência a culpar sempre as políticas educativas e não nos autoavaliarmos) e não fosse pai de crianças em idade escolar no ensino público espanhol e com familiares no ensino público e privado português. Que não se confundam as minhas palavras com descrença no futuro da educação, estamos perante um problema estrutural, de sociedade, cuja solução também reside em nós, individualmente, ao permitirmo-nos aceitar desafios para os quais não estamos preparados. Confundir opinião com ciência, com conhecimento, é um perigo. Ter orgulho na ignorância é uma ameaça à civilização. Não me vejo a dar aulas de mecânica, por exemplo, apesar de até dar uns toques no assunto. Reconhecer as nossas limitações, para além de ser um ato de honestidade, é um passo em frente. Também se evolui assim.

7. Como começou a sua atividade literária?
Falar de atividade literária é um exagero desde a minha perspectiva. Não me sinto escritor ou poeta, apesar de já ter sido assim descrito umas quantas vezes. Como me considero um grande leitor, isso sim, parece-me desproporcionado usar esse termo comigo, quando comparado com gente que efetivamente tem obra e merece esse epíteto. Porém, a escrita chegou tão naturalmente, ainda nos primórdios da adolescência, como a necessidade de comunicar. Primeiro cheio de vergonha (da qual persistem resíduos que considero benéficos e prudentes) e, pouco a pouco, mais a sério, sem esconder que, se escrevo, gosto que me leiam. A época da imaginação ficou atrás, nos meus contos pueris estimulados pela minha querida professora Manuela Leite. Hoje, o que vou escrevendo oscila entre a divagação e a indagação. No entanto, quanto mais seriedade vou dedicando à escrita, menos me levo eu a sério. Gosto deste paradoxo e sinto-me bem com ele. 

8. Acha que há muitas diferenças entre o Alentejo e a comunidade extremeña? E semelhanças?
Geograficamente, o Alentejo e a Extremadura são um contínuo paisagístico. São duas regiões herdeiras de três culturas: a romana, árabe e a cristã, e isso é notório numa matriz comum bem mais ampla do que esse belo argumento da Lusitânia a que sempre recorremos. Para mim, que cada vez gosto menos de me debruçar em diferenças e semelhanças, são duas regiões que me têm ajudado a definir-me como ser humano, duas regiões de gente boa, autêntica, com um passado de dignidade e, por vezes, de sofrimento que merecem todo o meu respeito e afeto.

9. Como escritor e professor, diria que a sua vida profissional se podia dividir em fases? Houve alguma evolução pessoal?
Como já tive oportunidade de mencionar, não me considero escritor, quanto muito um humilde cronista, porém, tão-pouco me considero apenas professor. Essa é a minha atividade profissional principal, mas não me define como pessoa, quer dizer, define uma parte de como vivo o meu dia-a-dia para pôr pão na mesa. Quanto às fases, para tentar responder à pergunta, se é que são assim tão notórias, creio que estou numa fase mais recatada, de menos entusiasmo, talvez numa fase de menos dinamismo e mais reflexiva. Quero acreditar que a era em que vivemos fez-nos parar e priorizar, que aprendemos qualquer coisa com esta situação.
pedal(e)ar (2018)

10. Sabemos que gosta muito de passear de bicicleta e que até já transpôs esse gosto para a literatura quando escreveu o livro Pedal(e)ar. Como foi a experiência de criar um livro entre duas línguas e a experiência de trabalhar com diferentes profissionais que colaboraram neste projeto?
Pedal(e)ar (2018) foi um livro de afetos, do qual me orgulho muito, feito ao ar livre, por vezes nas alforjas duma bicicleta, que reuniu traduções de pessoas pelas quais estou unido em amizade ou através de uma grande estima pessoal. O mérito das traduções para espanhol é todo deles e a sua presença, sem dúvida, enriqueceu esse pequeno volume. Na realidade não foi trabalho, foi uma manifestação de apreço mútuo. Sempre houve a tendência de menosprezar, principalmente no âmbito literário, projetos deste tipo, pois há sempre o véu da suspeita, do “amiguismo” na crítica, do favor, etc. Pessoalmente, poder juntar várias pessoas, com caracteres e perfis intelectuais tão diferentes, ao redor de uma publicação da minha autoria é uma prova que não tenho uma visão da literatura (e do mundo) quezilenta. Não abdico do meu espírito crítico, mas não sou polemista, não me vejo já em “Manifestos Anti-Dantas”, ou em quezílias de barricadas neorrealistas versus existencialistas. Gosto até de ouvir quem está nas antípodas do que eu penso, por vezes, até me convence e me faz adquirir novos pontos de vista. Há muita gente inteligente que não pensa como nós, o pensamento único tende à esterilidade. Porém, também tenho as minhas antipatias, e o que não suporto, nem admito, é o discurso do ódio, a maledicência e essa acefalia de hatters que por aí proliferam, pervertendo a liberdade de expressão. 

11. Ainda no seguimento da pergunta anterior, tem algum desafio desportivo em mente, como pedalar pela fronteira descobrindo novas paisagens transfronteiriças?
Já lá vai a minha época de grandes desafios desportivos! Os meus únicos objetivos, nesse âmbito, é continuar a ser uma pessoa ativa, com uma vida saudável, e, se possível durante esses passeios, continuar a conhecer o que tenho ao pé de mim. Ainda tenho tanto para descobrir, por exemplo, sobre a minha cidade de Badajoz...

12. Se tivesse de escolher um escritor português que tivesse influenciado a sua obra ou do qual goste muito, qual seria? E espanhol? 
Cada vez é mais difícil responder a essa pergunta porque quem costuma escrever verte nas suas páginas o que leu (e o que não leu!). Considero-me um leitor generoso. Por outras palavras, leio pelo prazer de descobrir e tento não cair em ideias preconcebidas sobre algumas obras ou autores, no entanto, confio no critério de muita gente e tenho chegado a nomes interessantíssimos que, quiçá, tenham deixado alguns resíduos no que vou escrevendo. Ciente de me esquecer de muitos nomes, neste preciso momento, lembro-me de Fernando Assis Pacheco, Manuel António Pina, Clara Ferreira Alves, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner e Miguel Esteves Cardoso, este último, para mim o melhor cronista vivo em Portugal. Ou, do lado espanhol, Irene Vallejo, Fernando Aramburu, Antonio Machado, Ramón Gómez de la Serna, Miguel Delibes ou Francisco Umbral. No âmbito da literatura nascida em solo extremeño, há obras que me tocam particularmente, como a de Ángel Campos Pámpano, a lírica virtuosa de Álvaro Valverde e o verdadeiro cronista transfronteiriço, Alonso de la Torre. Como se nota, sou muito anárquico nas leituras, mas assumo que denoto o predomínio do século passado nos nomes que me vieram à cabeça.

13. Gosta de introduzir textos literários nas suas aulas de português para que os alunos de língua estrangeira se interessem mais por Portugal e pela sua cultura? De que autores?
Gosto e faço-o sempre que possível. O texto literário é, nas suas amplas vertentes, uma oportunidade pedagógica para a didática de qualquer língua estrangeira e o português não é exceção. A letra de uma boa canção, por exemplo, pode ser um excelente veículo para ensinar a língua portuguesa, algumas são autênticos textos líricos, repletos de vocabulário e imaginários. Tudo isso com música para ajudar a ficar no ouvido! 
No entanto, no que concerne à prosa, mais reconhecida neste âmbito, nem sempre uso os recursos que gostaria, quer pelo nível académico dos alunos, quer pela sua faixa etária. Mas posso avançar três nomes que, sem dúvida, marcaram a minha prática docente: David Machado (O Tubarão na Banheira e O Índice Médio de Felicidade), José Luís Peixoto (Abraço) e Sara Rodi (A Garrafa Mágica). Outros poderia citar, como Gonçalo Cadilhe ou o canta-autor Sérgio Godinho, mas estes estão bem frescos na memória, devido a projetos recentes. 

14. Acha que o mundo da tecnologia pode ajudar a estabelecer fortes relações entre Portugal e Espanha, como os posts nas redes sociais (Facebook, Instagram, Blogs, etc). Já fez algum blog sobre a língua portuguesa? Com que objetivo?
Sem dúvida e isso não é nada novo. A tecnologia é fundamental para todos os âmbitos do nosso dia-a-dia. O âmbito educativo e das relações transfronteiriças pode, e é, desenvolvido através desses meios. Atualmente, o desafio não é estabelecer relações entre os dois países através desses meios, mas sim o desafio que a qualidade dessa relação não seja afetada pelo “facilitismo” que as redes nos permitem. Tem de haver um crivo de qualidade. A informação hoje é baratíssima e prolifera descontrolada, há que promover um saber para discernir entre esse descontrolo. Não é o mesmo informarmo-nos sobre a realidade dos dois países em agências oficiais de informação do que a através do mural do Facebook de um participante do Big Brother, com muitos seguidores, mas com uma preparação intelectual ou cívica pouco adequada para o tema.  
Quanto ao blog, tenho um dedicado à língua portuguesa que é património da minha escola secundária, em Badajoz, o IES Rodríguez Moñino. Há anos que está ativo e já foi motivo de um pequeno artigo na plataforma da Consejería de Educación, "En marcha con las TICs". Creio que a nossa relação, no contexto educativo, com as TIC tem de ser natural, porém, não pode ser excessiva. Cada vez encontro mais oportunidades pedagógicas em atividades manipulativas, de cariz físico, do que no mundo informático. Sei que, por vezes, sou muito mais eficaz a transmitir conhecimento através do velhinho quadro e do fiel giz, do que através da tablet. Termino com a certeza de que não podemos enverar exclusivamente pela informática, seria algo redundante e empobrecedor. Já imaginaste o que é, por exemplo, um futuro sem caligrafia? Não sou eu quem o diz, mas sim vários especialistas e pedagogos. 

15. Pensa que existe atualmente uma nova geração de jovens estudantes de português na Extremadura? Tem havido uma forte evolução da influência da língua portuguesa na nossa comunidade nos últimos 10 anos?
A última década foi decisiva para o crescimento da oferta formativa em língua portuguesa na Extremadura. O somatório de fatores é amplo e posso falhar ao omitir algum, mas a aposta da Consejería de Educación na promoção do português no ensino secundário e nas EOI é notória, tal como o apoio institucional do Gabinete de Iniciativas Transfronterizas, da Universidad de Extremadura, das Diputaciones, e até mesmo do governo português, com o Programa de Língua Portuguesa dinamizado, como bem sabes, pelo Instituto Camões. Também há que recordar a sociedade civil, as centenas de lusófilos que habitam esta região e sentem Portugal e a língua portuguesa também como parte do seu património raiano. 

16. Em termos pessoais, no seu seio familiar, fala português e espanhol com os seus filhos? Acha que é uma boa ideia ensinar desde bem cedo outras línguas estrangeiras?
Sim, falamos as duas línguas e tentamos incluir outras duas, o inglês e o francês, esta última muito vinculada à família da minha esposa. No caso do português e do espanhol, na primeira infância, há muita interferência entre ambas. Ando a frequentar um curso de língua mirandesa (essa bela herança peninsular com ecos leoneses!) e às vezes parece que o meu filho mais novo a domina perfeitamente quando mistura as duas línguas. Importante é terem sempre bons referentes nas línguas maternas e que, nós próprios, que somos os seus modelos não tenhamos um uso incorreto da língua. Tentamos e damos o nosso melhor. Já vejo frutos no meu filho mais velho, possivelmente um exemplo de bilinguismo entre português e espanhol na primeira infância. Portanto, para mim, é uma excelente ideia ensinar outras línguas estrangeiras desde tenra idade, sempre a par de uma boa aquisição da própria língua materna ou de maior implementação no dia-a-dia das crianças. Mas este é um tema que dá pano para mangas e esta é uma abordagem empírica da minha parte, tínhamos que dedicar-lhe mais tempo e esmiuçar uns quantos conceitos, começando pelo de língua materna...

17. Não podemos fugir da nova situação que estamos a viver, por isso gostávamos que nos contasse um pouco sobre a sua experiência com as aulas virtuais e se é uma boa forma para aprender línguas ou se é muito importante a presença nas aulas para interagir com o professor e com o resto de alunos?
Penso que esta pergunta já se encontra respondida de maneira implícita nas anteriores respostas, mas posso resumi-la da seguinte forma: tudo pode ser benéfico para uma situação de ensino-aprendizagem, tudo pode ser, num determinado momento um sucesso ou um fracasso como estratégia ou recurso educativo, mas a história da humanidade é clara, por mais inteligências artificiais o ensino é uma atividade humana, com presença física, com interação entre seres humanos. Um ecrã jamais será uma pessoa.


sábado, fevereiro 05, 2022

Selecção natural e selecção social...

As únicas diferenças entre selecção natural e selecção social estão na injustiça e na hipocrisia, duas coisas que a natureza não pode conceber. 

sexta-feira, fevereiro 04, 2022

As maiores diferenças entre a selecção natural e a selecção social estão na injustiça e na hipocrisia, algo que a natureza não pode conceber. 

Farto do si próprio, decidiu distanciar-se do seu eu e começou a viver na terceira pessoa do singular. 

La cebolla es el mejor ejemplo para la complejidad de la vida... (updated)

La cebolla es el mejor ejemplo para la complejidad de la vida por dos motivos. Primero, porque tiene un sinfín de capas y nos permite saborear lo sublime en un simple guiso. Segundo, porque, frecuentemente, nos hace llorar.

Los números, cansados del infinito aritmético y de la forma ordinaria como las matemáticas los tratan, se convertieron a Dios y empezaron a ordenarse de forma ascética.

Calafetar/Calafatear

A D. Theodor Kallifatides

Navegar? Não, calafetar. Calafetar foi o mais importante para os argonautas. Estancar fendas,  manter a embarcação hermética com estopa alcatroada. Não afundar, como qualquer um de nós.

¿Navegar? No, calafatear. Calafatear fue lo más importante para los argonautas. Sellar grietas, mantener la embarcación hermética con estopa y alquitrán. No hundirse, como cualquiera de nosotros.

quinta-feira, fevereiro 03, 2022

Marco Aurelio encontró a Buda...

Marco Aurelio encontró a Buda debajo de una higuera en Alejandría y empezaron a hablar.
- Querido Marco Aurelio, me consta que tienes por ahí unas "Meditaciones" escritas, pero, en realidad, son instrucciones.
- Puede que tengas razón, iluminado Gautama, las he escrito un poco como tú, desapegado, sin embargo lleno de amor.
En ese día, Oriente y Occidente fueron un solo imperio y la historia se detuvo a contemplar lo único que puede promover la sabiduría: el encuentro, el diálogo, una buena conversación y alguien que la recuerde, incluso cuando es apócrifa.



quarta-feira, fevereiro 02, 2022

Dualidades: Duas gatas no dia dois do dois de dois mil e vinte e dois...

"Dualidade: duas gatas no dia dois do dois de dois mil e vinte e dois."
Ainda pensei em não partilhar, pois, para além dos gatos sempre serem sinónimo de "likes" nas redes (logo um mero lugar-comum para as cabeças bem pensantes), há a agravante da recente campanha eleitoral em Portugal, na qual me consta que houve um gato com mais protagonismo político do que o próprio dono. Mas já me começo a marimbar (costumo utilizar outro verbo, em abono da verdade) para certas coisas e, ao ver esta imagem irrepetível das nossas gatas hoje de manhã - a siamesa com 15 e a cinzenta com 16 anos- junto ao rádio que mantém vivas as velhas cassetes audio cá de casa, suscitou-me um certo epicurismo avesso ao excesso de imaterialidade deste presente. Se não esquecermos os bens gozados do passado, não envelheceremos, como as nossas gatas.
"Dualidad: dos gatas en el día dos del dos de dos mil veinte y dos."
He pensado en no compartir, pues, además de que los gatos siempre son sinónimo de "me gusta" en las redes (por lo tanto un simple lugar común para las mentes bien pensantes), hay la agravante de la reciente campaña electoral en Portugal, en la cual según me consta hubo un gato con más protagonismo político que su propio dueño. Pero ya empieza a darme igual (suelo utilizar otro verbo, para decir la verdad) algunas cosas y al ver esta imagen irrepetible de nuestras gatas hoy por mañana - la siamesa con 15 y la gris con 16 años - junto al radio que mantiene vivas las viejas cintas audio aquí en casa, me entró un cierto epicureísmo contrario al exceso de inmaterialidad del presente. Si no nos olvidamos de los bienes gozados del pasado, no envelheceremos, como nuestras gatas.

terça-feira, fevereiro 01, 2022

Plan de fomento de la lectura...

Plan de fomento de la lectura: el libro que les apetezca, una gata y un sillón de masaje. Pequeños lujos que quizás no sean tan lujosos como pueden parecer.
Plano de fomento da leitura: o livro que lhes apetecer, uma gata e um cadeirão de massagens. Pequenos luxos que quiçá não sejam tão luxuosos como podem parecer.