quinta-feira, fevereiro 26, 2015

"O Clube dos Anjos" de Luís Fernando Veríssimo

“Nem todos os dias se quer ouvir uma estaladiça fuga de Bach, ou amar uma mulher suculenta, mas todos os dias se quer comer. A fome é o único desejo reincidente. A visão acaba, o sexo acaba, o poder acaba – mas a fome continua”.
É baseado nesta premissa que se baseia o delicioso livro de Luís Fernando Veríssimo “O Clube dos Anjos” que me chegou às mãos através do critério literário, sempre certo, do meu querido Henrique Jorge.

Afinidades animais, perspectivas de morte no prazer da gula, e “o desafio filosófico da gastronomia: a apreciação que exige a destruição do apreciado”. 

quarta-feira, fevereiro 25, 2015

"Morte onde está a tua vitória?" - António Lobo Antunes

Magnifica a crónica de António Lobo Antunes desta semana. Para quando o Nobel da literatura?

Lá deu com o bicho: um meningococo. Imaginaram a cena? Se isto não vos faz admirar o meu pai, cuja valentia, herdada do pai dele, foi sempre enorme, vão à fava”. in crónica “Morte onde está a tua vitória?” 


segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Há 28 anos já...

Há 28 anos que o "enorme" Zeca nos abandonou. Um ser humano que "em cada esquina" via um amigo e "em cada rosto igualdade", um homem cuja música me ensinou a querer ser mais livre sem esquecer que nessa liberdade me construo e me realizo num futuro que espero digno para os meus filhos... O Zeca... que me ensinou que a amizade é maior que o pensamento...
Aqui estarás sempre, "enquanto nos ponhamos a pensar"...  
"Amigo
Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também
Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também
Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também"

"Te di los días, las horas y los minutos" - Miguel Torga

(Torga, para siempre Torga...)

Te di los días, las horas y los minutos
De estos años de vida que pasaron;
En versos se quedaron
Imágenes que son máscaras anónimas
De tu rostro prohibido;
El hambre insatisfecha que sentí
Era de ti,
Hambre del instinto que no fue escuchado.

Ahora retrocedo, leo los versos,
Cuento las desilusiones en la lista del corazón,
Recuerdo la pesadilla de los deseos,
Miro el desierto humano desolado,
Y pregunto por qué, por qué razón
En las dunas de tu pecho el viento pasa
Sin tropezar en la gracia
De la más ligera señal de mi mano…
                                               Miguel Torga  

domingo, fevereiro 22, 2015

versos de vertedero

los versos en un vertedero
son una verdad tirada como un váter de una casa en ruinas 
porque nadie quiso restaurarla
sueltos
tirados por el suelo
pueblan
alrededores
de poemas
cada vez más lejos del centro

elijo la métrica que mejor mide
mis miedos
la encuentro y la confundo con la primavera
tres sílabas solo
almendro

estuvieras tú aquí

si te digo que te quiero
y estuvieras aquí,
el querer se moriría precario
de nuestro tiempo.
lo callo sin sufrimiento.
sé que nuestro amor
se asume en la mirada azul
del silencio
cómplice que se aparta
de esa palabra que es nuestra
en un cruce tan cerca de
la eternidad.

sábado, fevereiro 21, 2015

O caminho do guerreiro (Bushido do século XXI)

O caminho do guerreiro (Bushido do século XXI)

Existe uma tendência que se concretiza no vazio porque com o corpo se nasce e se morre. Vazio de adornos que não fiquem gravados na epiderme ou grafados na intemporalidade do ser.
As artes marciais são um adorno intangível, imaginado em estética, porque não adornam o corpo, endurecem-no e realizam-se na ética dum espírito que entende dualidades, tanto vive tempos de guerra como de paz.
Em silêncio, sem grandes alaridos, colocam-te ao espelho limitações, desafios reais dum segundo cuja competitividade é unicamente manter-se com vida outro segundo.
A forma existe para mostrar a vida de um conteúdo, adapta-se porque interpreta o real e eterniza-se na curiosidade humana que se senta na necessidade de reflexão.
O espírito marcial em pleno século XXI não ecoa cortante no gume da katana, não se enumera em códigos Hagakures ou se circunscreve a Livros dos Cinco Anéis. Sun Tsu, perdeu-se pervertido por economistas, políticos ou vendedores. Resta-nos a sua essência, uma quietude funesta, último ardil contra a voracidade deste tempo que nos obrigam a comprar.
O guerreiro do presente não é um arquétipo do oriente, nem casta militar de ordem cavaleiresca no ocidente.
Em silêncio, por vezes no murmúrio da escrita, não associa estoicismo ao renegar a queixa, honra a coragem dos seus antepassados com as mãos mais que vazias, despojadas, pela violência feita economia, casas frias pelo absurdo valor de qualquer energia, com as 24 horas do dia transformadas em múltiplas ânsias que tem de acalmar, que tem de pelejar.
Não há glória para o guerreiro do século XXI, nem novelas cavaleirescas, nem ideais quixotescos. O peito aberto não é heroísmo de estratega. É falta de roupa.
O romantismo do martírio não tem sentido porque os esforços de guerra cavam sempre trincheiras de lama e as ratazanas apenas trazem a doença de mais uma conta que saldar.
À noite, o merecido descanso do guerreiro embala-se numa rede de desespero. Partilham-se filosofias virtuais para que se mantenha da ideia o sonho. O espírito desnutrido sobrevive adormecido por uma refeição diária mas conectada com o mundo.
Não há hara-kiri assistido. É normal ver um guerreiro de joelhos. Há dignidade na humanidade em genuflexão ante a sua própria condição, sempre que nos joelhos não pese humilhação.
Existe a tendência ao vazio.
A casta de ser-se guerreiro revela-se na coragem com que alguns assumem a sua condição sem pudor, sem a vergonha da violência deste presente em todo o mistério parece revelado por o futuro contido neste novo século. Não há muita luz nem virtude nesta condição.
Existe realidade no vazio, mas ainda há escassa liberdade de decidir se vale a pena levantar a guarda e lutar. 

"A pedra acompanha a forma do mundo" - Ruy Ventura

“La piedra acompaña la forma del mundo. La imagen crece. Acompaña toda la ciudad y, algún tiempo después, nace en la piedra – un rostro, una voz perdida hace tantos años.” 
Ruy Ventura

sexta-feira, fevereiro 20, 2015

Matraquilhos em Juncais



Esta fotografia foi tirada na aldeia de Juncais por Yaro Kono e vem cá para fazer companhia ao Vitorino.

Em Portalegre nascem das mais belas flores

Em Portalegre nascem das mais belas flores
que a natureza pode conceber…
Lamento que não sobressaiam da bravia condição da serrania. 

quinta-feira, fevereiro 19, 2015

"O relógio põe vírgulas nesta frase" - Ruy Ventura

“O relógio põe vírgulas nesta frase. A pontuação que resta vem de algumas gotas de chuva. Regam a angústia. Escondo-a – porque não me pertence.”   Ruy Ventura


Rua da Cal Branca

o plátano no centro da praça
cujas raízes levantavam a calçada
via-se da janela do teu quarto

abriste-me a porta. descemos juntos
e abraçámo-nos na profundidade
das origens duma árvore.

a nossa única testemunha.

Outros modos de traduzir a minha vida...

"agora a forma esquiva de uma nuvem
vai perfilando
o teu nome ou o reflexo do teu nome"
Ángel Campos Pámpano

domingo, fevereiro 15, 2015

Ninguém nos ganha aos matraquilhos

“Ninguém nos ganha aos matraquilhos”… Ecos, pretéritos, que soam a madeira chutada pelo chumbo dos pés que sempre tive para o futebol… mas nos matrecos a coisa era outra, um pulso adestrado que se via no rendimento no tridente atacante.

Grande disco do Vitorino! 

sábado, fevereiro 14, 2015

Llueve al ritmo de un makiwara en Naha


(Para Elsa, Juan Ignacio y Pedro Martín.)

El primer pequeño paso para que se reconozca que el tiempo pasó es aceptar que del dolor también se puede llegar al tuétano de las cosas.
Dojo vacío, cuello sudado de práctica, pantalones gastados, amarillos en blanco de lino, atados por nudos perfectos, justos, de dedos duros y callosos, sentados en el escalón del jardín. El sonido de la lluvia revive el té que se toma bastante caliente.
Chojun Miyagi no necesitaba recordatorios de tal naturaleza. Miraba fijamente el espacio exterior, ordenado y callado, de su diáfana escuela, poblada por aparatos rudos, toscos de manejo, que ayudan a la educación del cuerpo y del espíritu por la piedra.
En su mirada resonaban golpes secos en madera hinchada. Sus manos vacías encallecían un alma sobria, recta, generosa de raíces, convictamente fuertes y firmes en el agarre.  
El último sorbo de té, infusión de que todo el arte perece, le mereció la mesura de un ritual.
Posada la taza en el escalón de madera, rascó los dedos en la parte de atrás del cuello, todavía humedecido, y cumplió el resonar de su mirada, golpeando con sequedad el mojado makiwara bajo la lluvia.
La percusión de una orquestra de puño, dirigida por este viejo maestro de Okinawa, en crescendo, líricamente embrutecida, se hacía acompañar por un recatado silencio femenino.
Pasos cortos, marcha arrastrada de etiqueta, kimono humilde con nobles pliegues de princesa, le trajeron la comprensión del paraguas, sujeto en otras manos. Manos suaves, de esposa de un viejo maestro…
Llueve al ritmo de un makiwara en Naha.
El Budo no se sintetiza en la maestría del puño que se agota en artrosis cronológicas. Igualmente habita en las manos cómplices de quien nos protege al entrenar bajo la lluvia.  

"Todo o filho que quer chegar aos limites, ao último limite do reino do pai, não quer medir, quer sair" - Gonçalo M. Tavares

“Todo o filho que quer chegar aos limites, ao último limite do reino do pai, não quer medir, quer sair. Saltar para o outro lado, ultrapassar o limite. Começar de novo. Porém, é isto: é impossível começar verdadeiramente de novo. Somos sempre filhos”.
Gonçalo M. Tavares


“Todo el hijo que quiere llegar a los límites, al último límite del reino del padre, no quiere medir, quiere salir. Saltar hacia el otro lado, sobrepasar el límite. Empezar de nuevo. Sin embargo, esto es: es imposible empezar verdaderamente de nuevo. Somos siempre hijos”.
Gonçalo M. Tavares


terça-feira, fevereiro 10, 2015

A CIDADE, AS CIDADES de Juan Ramón Santos

Numa só cidade
cabem muitas cidades.
                               Por exemplo,
esse local fechado
que veem no outro lado da rua
dedicou-se à venda de banda desenhada
e conseguiu aguentar-se alguns anos
antes de sucumbir à hecatombe.
Eu não cheguei a entrar nunca,
confesso,
mas sei que ali dentro se reuniam
amantes de bds
e freaks das mais diversas espécies.
Para muitos deles,
por mais que passe o tempo, esse lugar,
que para o resto passa inadvertido,
formará sempre parte indiscutível
da sua particular cartografia
desta cidade,
                               e em troca
pode ser que nunca cheguem nem sequer
a lembrar-se do parque
que se estende discreto mesmo em frente,
pode ser que algo anódino
e fora de moda, sim é certo,
mas que no entanto, para mim
não deixará jamais de estar ligado
a plácidas manhãs de verão
a empurrar um carrinho de bebé
ou velando o seu sono, um pouco mais tarde,
à sombra de uma árvore,
tão contente,
com um suculento livro entre as mãos.

segunda-feira, fevereiro 09, 2015

Auto-retrato (Rui Knopfli)




AUTO-RETRATO

De português tenho a nostalgia lírica
de coisas passadistas, de uma infância
amortalhada entre loucos girassóis e folguedos;
a ardência árabe dos olhos, o pendor
para os extremos: da lágrima pronta
à incandescência súbita das palavras contundentes
do riso claro à angústia mais amarga.

De português, a costela macabra, a alma
enquistada de fado, resistente a todas
as ablações de ordem cultural e o saber
que o tinto, melhor que o branco,
há-de atestar a taça na ortodoxia
de certas vitualhas de consistência e paladar telúrico.

De português, o olhinho malandro, concupiscente
e plurirracional, lesto na mirada ao seio
entrevisto, à nesga da perna, à fímbria da nádega;
a resposta certeira e lépida a dardejar nos lábios,
o prazer saboroso e enternecido da má-língua.

De suiço tenho, herdados de meu bisavô,
um relógio de bolso antigo e um vago, estranho nome.

Rui Knopfli







domingo, fevereiro 08, 2015

"Eu falo às paredes" - José Tolentino Mendonça

Andei, quase duas semanas, com esta crónica do José Tolentino Mendonça dentro do bolso do casaco para que não me esquecesse das suas palavras:
“A vida é um laboratório de humildade, onde as nossas perspectivas se refazem constantemente”.

sábado, fevereiro 07, 2015

apresenta-se sem a certeza do presente

o meu nome é leal
pinto um passado paternal
ao qual serei sempre leal

sexta-feira, fevereiro 06, 2015

Rascunhos acompanhados por Ángel Campos e Paul Celan...

Para o meu "hermano" José Antonio Santiago.
As dúvidas são sinal de trabalho... Notas soltas, ao lado do poema, crescem em paralelo com o pragmatismo da tradução que nunca se olvida do lirismo...

"Arte Poética" Jorge Luis Borges (trad. Ruy Belo)

A melhor forma de aprender é com o exemplo dos melhores. A vida adulta possibilita-nos isso: seleccionar com quem queremos aprender e absorver o brio do seu trabalho. O experimentalismo da juventude nem sempre nos é grato nesse aspecto…
É o caso do grande poeta português Ruy Belo, cujo labor de tradutor trouxe para a língua portuguesa a lírica do enorme Jorge Luis Borges. Eis este belo exemplo da “Arte Poética” de Borges, na tradução e caligrafia de Ruy Belo…


quinta-feira, fevereiro 05, 2015

Chove ao ritmo de um makiwara em Naha

À Elsa…

Chove ao ritmo de um makiwara em Naha

O primeiro pequeno passo para reconhecer o tempo que passou é aceitar que da dor se chega ao tutano das coisas.
Dojo vazio, pescoço suado de prática, calças gastas, amarelas em branco de linho, atadas por nós perfeitos, justos, de dedos duros e calejados, sentados no degrau do jardim. O som da chuva reaviva o chá que se bebe bem quente.
Chojun Miyagy não necessitava recordatórios dessa natureza. Fitou o espaço exterior, ordenado e calado, da sua escola. Aparelhos rudes, toscos de manejo, ajudam a educar o corpo e o espírito pela pedra.
No seu olhar ecoavam pancadas secas em madeira inchada. As suas mãos vazias calejavam uma alma sóbria, recta, generosa de raízes, convictamente fortes e firmes no agarre.
O último sorvo de chá, infusão de que toda a arte perece, mereceu-lhe a dignidade de ritual. Pousada a chávena no degrau de madeira, arranhou os dedos na parte detrás do pescoço, ainda humedecido, e cumpriu o eco do seu olhar, golpeando com secura o makiwara molhado à chuva.
A percussão de uma orquestra de punho, dirigida por este velho maestro de Okinawa, em crescendo, acompanhada pelo silêncio recatado de sua esposa. Passos curtos, arrastada marcha de cerimónia, kimono humilde com vincos nobres de princesa, trouxeram a compreensão do guarda-chuva sujeito nas outras mãos, suaves, da esposa dum velho mestre.   
Chove ao ritmo de um makiwara em Naha.
O Budo não se sintetiza na mestria de punhos, esgotada nas artroses do tempo. Também reside cúmplice nas mãos de quem os protege de treinar à chuva. 

quarta-feira, fevereiro 04, 2015

As palavras invisíveis

“Os segredos retiram lógica ao mundo. Aquilo que se omite priva os outros de compreenderem as razões dos episódios a que assistem.” José Luís Peixoto 

terça-feira, fevereiro 03, 2015

O poeta de alta competição

o poeta de alta competição
lê fibras e hidratos de carbono
preparado a literário concurso

declama lama em verso
e escreve estrofes hipertrofiadas
que no fundo são como os testículos
da literatura anabólica
realidade inútil mirrada