quarta-feira, março 04, 2015

"É uma pulseira?" - Excerto de "Galveias" de José Luís Peixoto

“É uma pulseira?
                O pai respondeu que não, e mostrou-lhe. Com o bico de uma esferográfica, começou a acertar o relógio de pulso. Esse trabalho era acompanhado por apitos que impressionavam, pi piii, pi piii. Joaquim Janeiro regalava-se com esse papel de arauto do progresso. O presente da filha era um relógio digital, comprado em Badajoz. A bracelete era toda de metal. Dava as horas inequívocas, mas tinha um botão que fazia aparecer a data e, se carregasse duas vezes, ficavam os segundos a passar. Havia ainda outro botão que, incrivelmente, dava luz. Essa era a função preferida da filha. Era à prova de água, mas não convinha experimentar. O pai ajustou-lho ao pulso, toda agente quis vê-lo de perto. Até os vizinhos, que estavam pendurados na ombreira da porta, deram dois ou três passos no interior da casa para se espantarem com esse produto. Conceição, vaidosa, exibiu-o com generosidade, mas só até certo ponto, jurou estimá-lo para sempre.”

José Luís Peixoto in “Galveias” p.160 e 161

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