domingo, maio 31, 2015

Pessoa em Badajoz

São poucos os que associam a figura de Fernando Pessoa a Espanha e à sua literatura, no entanto a vida do autor dos heterónimos esteve pontuada por encontros e desencontros com a nação irmã e com alguns dos seus escritores.
Oitenta anos após a morte de Pessoa, e no centenário da publicação da revista Orpheu, o reconhecido professor da Universidade de Évora, escritor, poeta e tradutor, Antonio Sáez Delgado, apresenta o seu mais recente livro em espanhol, dedicado a esta breve mas interessante relação, “Pessoa y España”.
Esta iniciativa realizar-se-á no dia 9 de junho, pelas 20:00, na Diputación de Badajoz, e contará com apresentação de Luís Leal Pinto, docente de língua e literatura portuguesa no IES Rodríguez Moñino da cidade pacense.
Nas palavras de Antonio Sáez Delgado, tradutor de inúmeros autores portugueses para espanhol, como Fernando Pessoa, António Lobo Antunes, Manuel António Pina, José Luís Peixoto, entre outros, “encontramo-nos perante um dos momentos mais apaixonantes da história literária no contexto ibérico”.

sábado, maio 30, 2015

O legado de Wilhelm Mauser

"Com a mauser agarrada pela fuste, a culatra puxa-se para a retaguarda. Aberta, introduz-se a munição na câmara. Da retaguarda, avança-se a culatra para a posição que coloca mais a fundo o projéctil. Fecha-se a arma e, no interior, o ferrolho oculta o segredo de que está carregada. Repete-se, rotina-se, o movimento para mais cinco balas. O som metálico, cúmplice do invólucro de cobre e níquel, não mata mas ecoa tanto ou mais a morte que muitos disparos."

quarta-feira, maio 27, 2015

Quando menos esperamos, atazana-nos a angústia: espanhol em Portugal, meio português em Espanha.

Passar meia semana em Espanha e meia semana em Portugal tem as suas vantagens. Também as tem atravessar cada dia a fronteira para regressar e dormir no país onde nasceram os teus pais. Compro o pão, as frutas, o café e os legumes em Portugal. O leite, os frutos secos e os rebuçados em Espanha. Um tipo imagina-se a fazer com prazer aquilo que antes se chamava traficar: levar de um lado para o outro o melhor de cada sítio. As recordações são também outras formas de tráfico. De cada lado levamos, sem passaporte nem explicações, aquilo que mais gostamos. Posso trazer para minha casa um perfume do outro lado da fronteira dentro do meu carro, ou uma laranja amarga e cheirosa das árvores da universidade, ou alguma mosca viajante e monterrosiana que entra no meu carro ao montar-me em Évora e que conduzo com cuidado até Badajoz, para dar-lhe liberdade mal paro o veículo e abro a janela. Traficamos recordações, traficamos memória. É verdade que acabamos por sentir-nos bem em qualquer sítio, isso é tão certo como que acabamos por sentir-nos mal em todas as partes. Quando menos esperamos, atazana-nos a angústia: espanhol em Portugal, meio português em Espanha. O medo é o polícia da consciência.   

Antonio Sáez Delgado, in “En Outra Patria”, p. 26 e 27.
[trad. Luis Leal]

segunda-feira, maio 25, 2015

Estou, já há muitos anos, matematicamente convencido de que quem menos tem tende a ser proporcionalmente mais generoso do que os que mais têm.

Estou, já há muitos anos, matematicamente convencido de que quem menos tem tende a ser proporcionalmente mais generoso do que os que mais têm. Seja o bem que for e sem qualquer interesse de reciprocidade.
Hoje foi-me relembrado pelo tempo bordado de uma idosa que, sem me conhecer de nenhum sítio, decidiu obsequiar ao meu filho o que poderia ter vendido para paliar a sua escassa reforma. 
Para mim, não há relativismo algum nesta equação. Pontuo-a com gratidão, pois nada do que escreva, ou sinta, se compara à generosidade das suas mãos.
Envergonha-me que com tantas contas e tantos números, calculadoras e Excel, se continue com tantos problemas com esta disciplina, mais humana do que alguns a apelidam.

domingo, maio 24, 2015

«Marinheiro», Sophia de Mello Breyner Andresen,

Sophia de Mello Breyner Andresen, «Marinheiro», 'Poesia MCMLVIII' [pastinhas da queima das fitas], org. Campos de Figueiredo, Coimbra, 1958
col. Luís Amaro
(in facebook de Luís Manuel Gaspar)

sexta-feira, maio 15, 2015

Um cabelo só. Náufrago num prato.

Encontra-se um cabelo na comida. Cabelo escuro num arroz branco. Puxa-lo com pontas de indicador e polegar nauseadas de uma mão direita com vontade de vomitar. Estica-se na borda do prato, um tanto ou quanto curvado pela humidade do molho e alourado pelos temperos.
Encontra-se na comida um cabelo. Na refeição uma fronteira. Salta-se ilegal a etiqueta do bem-servir, das boas maneiras de talheres de carne e peixe e copos altos, elegantes de pé e cristal, para bebidas espirituosas mas alheias à sede do copo baço. 
Risca-se a ponta da faca na cerâmica do prato, aparta-se o indesejável pêlo, quase de certeza oriundo do próprio cocuruto, para despojos de balde plástico oculto dentro de armário da cozinha desconstruída. Do precipício salva-se o alimento e, talvez, um pouco mais do alento que embacia o espelho.
Senta-se enojado com a vontade de deixar que o asco triunfasse, se edificasse em arco e esquecesse a fome, com a arrogância de que não tem importância.
O arroz acomoda-se com a folha da faca. Primeiro ajeitam-se os lados, depois por cima. Sobe-se o garfo à boca e engole-se o alimento de que se dispõe. Enjoado de um eu. Não de um cabelo qualquer, só, cuja sorte o fez náufrago num prato de comida. 

"Breves Notas Ficcionais (notícias e homens)" - Gonçalo M. Tavares

Cerebral como é habitual, mas, após a leitura, o efeito é o contrário disso.

Corto Maltés en A Coruña



Una de las veces que Corto Maltés se ha pasado por tierras gallegas, exactamente por A Coruña...




quinta-feira, maio 14, 2015

Intentando enseñar un cualquier tipo de norte...

Con la esperanza que se pierda con buen sentido de orientación...

"a tradição do pão em Portugal" - Mouette Barboff

Para os amantes do pão português e dos seus hidratos de carbono, um recorte, perdido dentro de um livro, de uma Revista Visão sobre o livro "a tradição do pão em Portugal" e cinco perguntas à antropóloga francesa Mouette Barboff...

"Kindness" by Sylvia Plath



Kindness glides about my house.
Dame Kindness, she is so nice!
The blue and red jewels of her rings smoke
In the windows, the mirrors
Are filling with smiles.

What is so real as the cry of a child?
A rabbit's cry may be wilder
But it has no soul.
Sugar can cure everything, so Kindness says.
Sugar is a necessary fluid,

Its crystals a little poultice.
O kindness, kindness
Sweetly picking up pieces!
My Japanese silks, desperate butterflies,
May be pinned any minute, anesthetized.

And here you come, with a cup of tea
Wreathed in steam.
The blood jet is poetry,
There is no stopping it.
You hand me two children, two roses.

terça-feira, maio 12, 2015

Auto-retrato aos 56 anos (Graciliano Ramos)



O autor de Vidas secas escreveu este poema. Graciliano Ramos morreu em 1953, sem ter completado 61 anos.



AUTO-RETRATO AOS 56 ANOS

Nasceu em 1892, em Quebrangulo, Alagoas.
Casado duas vezes, tem sete filhos.
Altura 1,75.
Sapato n.º 41.
Colarinho n.º 39.
Prefere não andar.
Não gosta de vizinhos.
Detesta rádio, telefone e campainhas.
Tem horror às pessoas que falam alto.
Usa óculos. Meio calvo.
Não tem preferência por nenhuma comida.
Não gosta de frutas nem de doces.
Indiferente à música.
Sua leitura predileta: a Bíblia.
Escreveu “Caetés” com 34 anos de idade.
Não dá preferência a nenhum dos seus livros publicados.
Gosta de beber aguardente.
É ateu. Indiferente à Academia.
Odeia a burguesia. Adora crianças.
Romancistas brasileiros que mais lhe agradam: Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz.
Gosta de palavrões escritos e falados.
Deseja a morte do capitalismo.
Escreveu seus livros pela manhã.
Fuma cigarros “Selma” (três maços por dia).
É inspetor de ensino, trabalha no “Correio da Manhã”.
Apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo.
Só tem cinco ternos de roupa, estragados.
Refaz seus romances várias vezes.
Esteve preso duas vezes.
É-lhe indiferente estar preso ou solto.
Escreve à mão.
Seus maiores amigos: Capitão Lobo, Cubano, José Lins do Rego e José Olympio.
Tem poucas dívidas.
Quando prefeito de uma cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas.
Espera morrer com 57 anos.

Graciliano Ramos



segunda-feira, maio 11, 2015

La segunda página de "Pyongyang" de Guy Delisle

La segunda página de "Pyongyang" de Guy Delisle. Una lectura paralela mientra uno trabaja en la traducción de "Dentro del Secreto"...
 

sábado, maio 09, 2015

"Encanto Feminino" - Rubem Fonseca

Continuo sensível ao encanto feminino.
Continuo gostando de sapos.
Mas dentro de casa não tenho
Nem mulher nem sapo.
Tenho livros. Tenho garfos e facas.
Tenho sapatos. O sapato que eu uso foi comprado
Há mais de 15, quinze, repito quinze, anos.
Isto é uma poesia, fiquem sabendo.
Um sujeito disse que poesia é
Aquilo que se perde na tradução.
Eu digo que poesia é o que cada um acha que é poesia.
Achar as mulheres lindas é poesia.
Tenho dito.

"Bandeira Nacional"




Bandeira Nacional
Propaganda nacionalista dos tempos de Doutor Salazar e General Carmona.


Colecção Fundação Portimagem


Álbuns da Fundação Portimagem



quinta-feira, maio 07, 2015

15 anos de "Morreste-me"

Há 15 anos, um jovem oriundo do distrito de Portalegre preparava-se para ir a uma gráfica buscar a edição de autor de um livro que intitulou “Morreste-me”. Duas manifestações de coragem num só acto: uma, a valentia da edição de autor; duas, o atrever-se a afrontar um tabu através de um ensaio íntimo e pessoal sobre a morte. Não imaginava que tinha sido no mês de maio…
Hoje, esse jovem feito homem, o José Luís Peixoto, desde o distrito de Portalegre para o mundo, partilhou esse facto, essa efeméride que marcou para sempre a literatura portuguesa e a vida de muitos que tocaram, com algo mais que o olhar, as suas palavras.
Foi já bastante tarde que me cruzei com a perda do José Luís. Já admirava o autor, conhecia o livro, supunha que conhecia o assunto, mas ninguém conhece a dor do outro, nem mesmo depois de lê-la na primeira pessoa. Tratava-se do meu medo assumido de abordar essa parte de uma biografia a quem, como se costuma dizer, ninguém escapa.
“Morreste-me” interrompeu-me uma tarde de estudo numa biblioteca do distrito de Portalegre. Interrompeu-me com a força escondida que têm os pequenos livros, ocultos por vezes pela lomba imponente do livro do lado, com quem se comparte estante.
Naquele instante de leitura era minha a finitude do progenitor, a infância que se desmoronava não num quintal, sim num pátio onde já ninguém brincava comigo nem se sentavam no portado a apanhar o fresco dum verão sem finais de tarde… “Morreste-me” era também as minhas ruínas, aquelas ausências, cujo medo assumido sempre me impediu de encontrar-lhe beleza ou consolo.
Nunca fui capaz de falar muito sobre este livro, muitíssimo menos escrever. Apercebo-me, no entanto, que está muito presente, mesmo que em silêncio, no meu círculo de afectos. Assumi-lo dá-me um certo orgulho vulnerável, diferente de outros orgulhos que espelham o meu ego com um sorriso que assobia sem que se note.
“Te me moriste”, a tradução ao espanhol do Antonio Sáez é também ela, nas palavras deste meu mestre e amigo, “um processo de luto apropriado das palavras do Peixoto”.
Não sendo um diário de luz e sombra, “Te me moriste” tem tanta luminosidade e escuridão como a “campiña” comum ao meu irmão José Antonio Santiago, onde nos ardem tanto os que perdemos, como o incêndio que pintou Jola cor de cinza. Essa dor morta-viva, ao bom estilo zombie agora na moda, que se levanta do peito para lembrar-nos que a morte nunca está oculta se se está atento à vida.     

100 anos do nascimento do grande Orson Welles...

Recomenda-se a leitura do artigo, publicado no "El País", "Todo en él era grande": http://cultura.elpais.com/cultura/2015/05/05/actualidad/1430848615_588127.html

segunda-feira, maio 04, 2015

Poesia estimula a mente e é mais eficaz do que autoajuda

 


Isto tem, se calhar, dois anos, mas tanto faz, acho eu. Não ficou antigo! Ler poesia faz bem (desculpem aqueles que não gostam de versos nem de poemas em prosa...).

No fim do artigo, acrescento um poema de Eugénio de Andrade, para ler e para ouvir.


Poesia estimula a mente e é mais eficaz do que autoajuda

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Além de ser uma das formas de expressão humana, como a que aparece explorada por Paulo Leminski em “Razão de ser”, a poesia, segundo a ciência, pode ajudar mais do que livros de autoajuda, porque estimula a mente. Cerca de 30 voluntários tiveram a atividade cerebral monitorada ao lerem trechos de clássicos literários e, em seguida, as mesmas passagens foram transpassadas para uma linguagem familiar.

Especialistas em ciência, psicologia e literatura da Universidade de Liverpool constataram que essa parte do cérebro observada dispara quando o leitor se depara com expressões e palavras incomuns e, também, frases com entendimento mais complexo. O que não acontece quando o trecho lido está num vocabulário mais acessível.

Para o estudo, foram usados autores de obras clássicas, como Henry Vaughan, John Donne, Elizabeth Barrett Browning e Philip Larkin. Os estímulos sentidos pelos leitores se mantiveram durante um determinado tempo, fazendo com que a atenção na leitura fosse potencializada. Isso porque a poesia afeta o lado direito do cérebro, que é o lugar onde são armazenadas as memórias autobiográficas.

É dessa forma que esse tipo de leitura ajuda a refletir sobre as lembranças provocadas e a entendê-las por meio de novas perspectivas. Pesquisadores afirmam que a poesia auxilia esse entendimento devido a descrição profunda acerca de experiências aliada a elementos emocionais e biográficos.


(Fonte: Minas faz Ciência)


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As palavras interditas

Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
Sem nenhum destino flutuam nas cidades,
partem no vento, regressam nos rios.

Na areia branca, onde o tempo começa,
uma criança passa de costas para o mar.
Anoitece. Não há dúvida, anoitece.
É preciso partir, é preciso ficar.

Os hospitais cobrem-se de cinza.
Ondas de sombra quebram nas esquinas.
Amo-te... E entram pela janela
as primeiras luzes das colinas.

As palavras que te envio são interditas
até, meu amor, pelo halo das searas;
se alguma regressasse, nem já reconhecia
o teu nome nas suas curvas claras.

Dói-me esta água, este ar que se respira,
dói-me esta solidão de pedra escura,
estas mãos nocturnas onde aperto
os meus dias quebrados na cintura.

E a noite cresce apaixonadamente.
Nas suas margens nuas, desoladas,
cada homem tem apenas para dar
um horizonte de cidades bombardeadas.

Eugénio de Andrade 





sábado, maio 02, 2015

"El dos de mayo de 1808 en Madrid" de Goya

"El dos de mayo de 1808 en Madrid", también llamado "La carga de los mamelucos en la Puerta del Sol" o "La lucha con los mamelucos" es, junto con "El tres de mayo", uno de los cuadros más célebres de Francisco de Goya y Lucientes, pintor español. El cuadro, pintado en 1814 en óleo sobre tela, se encuentra en el Museo del Prado, en Madrid.

sexta-feira, maio 01, 2015

1º de maio recordando Pete Seeger

Hoje é 1º de maio e, apesar de apenas nos parecer um feriado como outro qualquer, trata-se de um dia que marca uma das maiores conquistas e lutas do ser humano: o direito e a dignidade no trabalho. 
Por todos os que lutam pela paz do trabalho, pela alegria e o pão. 
Pete Seeger (aqui pela óptica de Annie Leibovitz) sempre cantou a justiça social e a dignidade daqueles que trabalham, fiquemos com o seu “If I Had a Hammer”: https://www.youtube.com/watch?v=Rl-yszPdRTk