O Consentimento do Ódio (Texto)

Com a mente aturdida, mas passo-a-passo com o mestre sincronizado, um discípulo assume a sua confusão.
- Mas, Mestre está a dizer-me que soltar o nosso ódio resulta benéfico?
Ao qual, o mesmo respondeu, da forma como estavam habituados a reflectir através do diálogo, com outra interrogação.  
- Pensa bem, jovem amigo, não é positivo odiar a iniquidade, a discriminação, o egocentrismo, a altivez e todas essas particularidades que desfiguram o nosso coração?
Continuaram a caminhar lado a lado, à sombra rasgada pelos raios matinais de sol, e chegam a uma pequena clareira no bosque de bambu que com eles madrugava. O mestre contemplou o jovem rosto. Suavemente com uma mão de realidade, mas sem frenesi de verdade, apoiou-a absoluta e sem peso no ombro esquerdo do dilecto jovem.

- Na natureza existe, exibe-nos constantemente a sua total repulsa para manter o seu equilíbrio, para melhorar-se, para desenvolver-se uma e outra vez. Nós somos natureza, mas ao assumirmos diversos tipos de rejeição, acedemos à nossa humanidade. Negar o ódio, sim, é negativo. Nega-se assim o que a natureza partilha livremente connosco. Florescer de cabeça erguida, como agora aqui estamos, iguais ante o mesmo sol.  

Ultimate Fighting Toys

Um combate épico no “Ultimate Fighting Toys”! Dois brinquedos da feira da ladra digladiaram-se na arena da Foz do Arelho para ver quem é que vinha dentro ou fora da mochila do Santiago. Apesar da armadura espacial do Batman, e do "Batman Punch" o Nick Fury levou-o ao tapete com um “flying juji gatame”! "Tap out"! Marvel:1 DC:0.Haverá “rematch”? Terá de ser no inverno…





quinta-feira, agosto 28, 2014

"Corpo" - Valério Licínio (Joaquim Pessoa)

Tenho a certeza que Joaquim Pessoa não tem o seu merecido lugar na lírica portuguesa do final do século XX e, mesmo, na viragem para o século XXI. O motivo, o porquê, dessa ausência de reconhecimento dever-se-á, seguramente, a posturas políticas e sociais assumidas pelo poeta que, como é apanágio do “mainstream” de cabeças pensantes e dominantes, subjugam e promovem o “espectro cultural” de qualquer país. 

Creio que ainda está no activo, mas perdi contacto com as suas últimas obras. Talvez o peso do apelido Pessoa (penso que em homenagem ao polifacetado mestre Fernando) não ajude para o marketing da “coisa”, mas fazendo minhas as suas palavras «julgo que a poesia tem, também, a obrigação de palpar o mundo, de estar atenta aos sintomas e ajudar ao diagnóstico.»

Há quase 20 anos descobri o que significava “apócrifo” graças a uma antologia sua. “Os Herdeiros do Vento”.  À parte de manuais escolares, ou leituras obrigatórias, tenho quase a certeza que foi o primeiro livro de poesia que comprei na vida e na já extinta livraria do centro comercial Eborim, numa dessas minhas peregrinações habituais antes de ir ver algum filme aos, também já extintos, cinemas Alfas Duplex de Évora.

Desse livro guardo e destaco um poema apócrifo de Valério Licínio intitulado “Corpo”. Lio-o tantas vezes nestas duas décadas que pouco falta para o saber de cor. Assim é a memória afectiva, selectiva por bem-estar, faz-nos sentir que há coisas que parecem que foram feitas, escritas, sentidas, exactamente para nós. Porque não ser feliz nesta ilusão?

Apropriar-se do imaterial, para consumo próprio, não aflige o artista, não abusa dos direitos de autor, não é mercantilismo de propriedade intelectual. É, em “stricto sensu”, identificação. Não há nenhum autor que não o almeje, com maior ou menor veemência, por vezes mesmo eclipsada por desprendimento, que quem o lê, aceita a sua partilha, reconheça a sua composição ou, se é caso disso, se reconheça nela. 

Agora revisito-a aqui. Originalmente esta antologia foi dedicada a ilustres amigos do autor como Isabel da Nóbrega, José Saramago, Pedro Tamen e Carlos Pinto Coelho. Como me apropriei deste poema, porque não dedicar-vos? 
Aquele abraço.



quarta-feira, agosto 13, 2014

O que pode voltar a dar entusiasmo e confiança

Há uns quantos dias encontrei esta citação num livro que lhe recomendo vivamente, “Verbo, Deus como Interrogação na Poesia Portuguesa”, de selecção e prefácio do grande Tolentino Mendoça e do Pedro Mexia, e apontei-a logo pelo interesse que me despertou.
Dizer que nutria simpatia pelo autor enquanto figura que ocupa o lugar de Pedro na terra estava a mentir com todos os dentes que tenho na boca, mas no que respeita ao seu fascínio pela experiência do belo, quase ascética, contemplativa, já não posso dizer o mesmo.
Partilho-a aqui consigo, Tio Paulo, porque penso que poderá ser do seu interesse também.
No outro dia, numa mensagem ao meu grande amigo Jorge Neto, lembrei-me de uns versos do Vitorino Nemésio, que não sou capaz de reproduzir “ipsis verbis”, que enunciam que “já não somos homens de Deus, mas continuamos meninos de Deus”…

“O que pode voltar a dar entusiasmo e confiança, o que pode encorajar o ânimo humano a reencontrar o caminho, a elevar o olhar para o horizonte, a sonhar uma vida digna da sua vocação, a não ser a beleza? Vós bem sabeis, queridos artistas, que a experiência do belo […] não é algo acessório ou secundário na busca do sentido e da felicidade, porque esta experiência não afasta da realidade, mas, ao contrário, leva a um confronto cerrado com a vida.”

Joseph Aloisius Ratzinger/ Bento XVI

terça-feira, agosto 12, 2014

O Clube dos Radialistas Aposentados

Em direto com o 1º Ministro, depois de sermos louvados pelo Presidente da República.
O primeiro gravador de k7s que tive na vida foi uma herança partilhada com a minha irmã. Era um daqueles metálicos com um deck e uma coluna plana, de som mais que Mono e sem perspectivas de Stereo. Fora uma transição das mãos do meu pai (que o comprara com restos do soldo do ultramar) para as minhas e as da minha irmã Ana. Aí ouvíamos as nossas k7s, algumas originais como a do Cat Stevens ou dos Beatles (o álbum “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band”!), gravávamos outras à beirinha da rádio (de indicador e médio ágeis para carregar no play e rec simultâneos), sempre desejando que o locutor não falasse e interrompesse a melodia para dizer “Rádio Jovem” em noventa e qualquer coisa FM.

As rádios locais, algumas piratas, eram o mais global que aquela juventude tinha na época e a rádio da minha terra era um espectáculo! Era bem jovem para aquela cidade branca que pouco mais oferecia a quem lá vivia, o que talvez fosse muito… Se estivéssemos numa de fraternidade, direccionavam-se as antenas para Espanha e gravavam-se os programas dos “40 Principales” o que nos abria as portas para algo mais que os “La Frontera”.

Lá para os idos de 1988, depois de termos visto, num VHS do videoclube, o “Bom Dia Vietnam”, com um então desconhecido Robin Williams para nós, a minha irmã e eu desgravámos umas quantas k7s BASF que o meu pai lá tinha e emulávamos a voz do original locutor do filme no velho e roufenho gravador: “BOOOMMM DIA ÉVORAAAAA!!!”.  
A programação era variadíssima, desde anúncios escatológicos com caca de cão nos “perdidos&achados” (o que confirma a tese do Gato Fedorendo que uma piada com cocó faz sempre rir e que aquelas duas crianças já então o subscreviam), atuações, ao vivo e em directo da minha irmã, de temas atualizados do Paco Bandeira (“sou contrabandista de drogas bem fortes, heroína, cocaína”…), anedotas à velhos dos Marretas, e, obviamente, a não nos faltar no catolicismo de bairro operário, as orações ao anjinho da guarda, de inspiração, quiçá, no terço hertziano em directo de Fátima da RR, com a supervisão, sempre cristã, da minha mãe (tipo Vítor Melícias ou o do apresentador do “70x7” cujo o nome não me lembro e não me apeteceu ir confirmar à net).

As k7s eram giras. Os nossos programas nem tanto. Eram às cores. Amarelas, laranjas, roxas até. Com a modernidade a caminhar para o Stereo e Dolby Surround perdeu-se o encanto colorido pelo preto e branco e, na melhor das hipóteses, lá se encontrava uma transparente a verem-se as bobines, sempre prontas a serem rebobinadas por uma Bic ou Molín sempre à mão.

A ironia de uma tarde a vermos o filme do Robin Williams, ou de esta tarde em que a sua morte me fez rebobinar a minha vida, encontra-se num espólio radiofónico perdido de uma infância feliz, numa irmã ex-locutora de rádio (que o continuará a ser por vocação) e num gajo que se continua a rir com uma piada que meta caca à mistura e sabe que nunca chegará aos calcanhares de um professor como o John Keating.

segunda-feira, agosto 11, 2014

A morte nunca está oculta se se está atento à vida.

A morte nunca está oculta se se está atento à vida.
Querer e assumir o final foi-nos negado
Pelo pecado cometido pela religião
Ao criar deuses à semelhança do homem,
Com necessidade de adoração,
De culto inculto e verdades absolutas
Às quais não se exige fundamentação.

Sem fome corpórea, com nutrida reflexão
Se aborda a morte em tertúlia ou meditação.
É necessidade aguçada para papilas gustativas
De um espirito a salivar.
Buscando um manancial infinito
Para matar a sede, salgada, que gera a morte.

Deus nunca está oculto se se assume a dúvida que existe.
Desejar conhecer o além incerto é-nos recordado constantemente
Por o ruído incómodo de um coração que late.
Disseca-se, certamente, a incerteza que se teve em vida com a morte.
E, a verdade, de contas ao fim, não é coisa que se partilhe.

O canto, homérico e sentido.

O canto pode não ser livre da história, dos grilhões de um presente determinado, delimitado por conjecturas ou presunções ideológicas, mas esse tempo afectará o modo do poeta, será a centelha da liberdade real, pois a liberdade não tem estética…