sábado, janeiro 31, 2015
sexta-feira, janeiro 30, 2015
quinta-feira, janeiro 29, 2015
A "glória" é transitiva. Há quem se ria dela.
“A minha ambição é sobreviver à minha morte”. Disse aquele
que escreve. Glória de Panteão? Não acredito que o poeta queira ver o seu pó
circunscrito à sujidade amarelada do mármore.
Contenta-se com o verbo. Substantiva-se no edifício do
recordar. Com sorte, cruza-se nalgum corredor com alguém que goste de o sublinhar. Sabe-se que ele gostava, que o fez com outros com quem se cruzou...quarta-feira, janeiro 28, 2015
O TEMPLO da certeza
O TEMPLO da certeza
Ergue-se
Na proporção imparcial de
uma de cimento
por dez de areia.terça-feira, janeiro 27, 2015
segunda-feira, janeiro 26, 2015
Memória da água (Rui Knopfli)
MEMÓRIA DA ÁGUA
Gestos e palavras que crera
escritos a fogo
na dura parede do tempo.
De pura piedade os bebeu
a memória da água
que, nada retendo,
a tudo dá sepultura.
Rui Knopfli
Mangas verdes com sal (1969)
Gestos e palavras que crera
escritos a fogo
na dura parede do tempo.
De pura piedade os bebeu
a memória da água
que, nada retendo,
a tudo dá sepultura.
Rui Knopfli
Mangas verdes com sal (1969)
domingo, janeiro 25, 2015
Educação sentimental - António Lobo Antunes
“(…) E detestava o professor
de Moral que me enfiava a mão nos calções e me perguntava se eu já tinha leite
na pilinha. Essa deixou-me tão perplexo que interroguei o meu pai
- O pai acha que eu já tenho
leite na pilinha?
O meu pai emergiu do cachimbo
e do livro de boca aberta
- Que história é essa?
esclareci-o
- O professor de Moral
perguntou-me se eu já tinha leite na pilinha
e a cara do meu pai transformou-se
de uma maneira aterradora.
Levantou-se de um salto e saiu
porta fora. Pareceu-me escutá-lo a gritar qualquer coisa ao telefone, no género
- Diga-lhe que eu vou lá e lhe
parto a cara (…)”
sábado, janeiro 24, 2015
VII - El Aire (Ángel Campos Pámpano)
VII
El Aire
Por abrazar el aire me he llegado hasta aquí. Sólo por dar sentido a una carencia y rebatir la soledad.
Ángel Campos Pámpano in "Jola" (2003)
sexta-feira, janeiro 23, 2015
quando tudo está perdido
a solidão dilui-se na solução
aquosa dum corpo que nunca foi mais que pó.
ecoa um silêncio iluminado
pela urgência do very-light que rasga noites a fio
com o desafio que se veja para que se creia.
quando tudo está perdido,
uma ideia é um barco, um passado cargueiro
de contentores vedados, amolgados pelo
peso da viagem, que bóia em vestígios
de espuma que foram dias.
quando tudo está perdido,
o diário húmido, tímido e íntimo,
sentido em plástico contido,
é a voz salgada do desespero que não se ouve,
da ferida seca em sangue do mapa por o qual tentas
manter vivo de cabeça
e em vãos apontamentos
a letra gretada das tuas mãos.
quando tudo está perdido,
vês verdade permeável na mentira estanque.
revela-se, revelas-te nisso do destino,
naufragas num mar interior que não distingues de oceanos.
a corda está lá, com nós, afunda-se no cais, em redondo
verdete que desliza em linhas suaves de palmas que nunca acreditaste que
pudessem ser lidas.
quando tudo está perdido,
o círculo de fogo, que dá e aquece vidas, conflui no
horizonte da lua.
manténs-te à tona por o instinto feito fé
que navegar é preciso,
mesmo quando tudo está perdido.
quinta-feira, janeiro 22, 2015
quarta-feira, janeiro 21, 2015
Al volante del Chevrolet por la carretera de Sintra (Álvaro de Campos)
[Trad. Luis Leal/Pedro L. Cuadrado]
Al volante del Chevrolet por la carretera de Sintra,
A la luz de la luna y al sueño, en la carretera
desierta,
Conduzco solo, conduzco casi despacio, y un poco
Me parece, o me fuerzo un poco para que me parezca,
Que sigo en otra carretera, por otro sueño, por otro
mundo,
Que sigo sin que haya una Lisboa dejada o una Sintra
a la que llegar,
Que sigo, ¿Y que más habrá en seguir sino no parar
pero seguir?
Voy a pasar la noche a Sintra por no poder pasarla
en Lisboa,
Pero, en cuanto llegue a Sintra, me dará pena de no
haberme quedado en Lisboa.
Siempre esta inquietud sin propósito, sin sentido,
sin consecuencia,
Siempre, siempre, siempre,
Esta angustia excesiva del espíritu por nada,
En la carretera de Sintra, o en la carretera del
sueño, o en la carretera de la vida…
Maleable a mis movimientos subconscientes del
volante,
Corre bajo mí conmigo el automóvil que me prestaron.
Sonrío del símbolo, al pensar en él, y al girar a la
derecha.
En cuántas cosas que me prestaron yo sigo en el
mundo
¡Cuántas cosas me prestaron conduzco como mías!
Cuanto me prestaron, ¡ay de mí!, ¡yo mismo soy!
A la derecha la casucha – sí, la casucha – junto a
la carretera
A la derecha el campo abierto, con la luna a lo
lejos.
El automóvil, que parecía hace poco darme libertad,
Es ahora una cosa donde estoy encerrado,
Que sólo domino si me incluyo en él, si él me
incluye a mí.
A la izquierda allá atrás la casucha modesta, más que modesta.
La vida allí debe de ser feliz, sólo porque no es la
mía.
Si alguien me ha visto desde la ventana de la casucha,
soñará: aquel sí es feliz.
Tal vez para el niño que acecha por los cristales de
la ventana del piso que está arriba.
Fui con el automóvil prestado como un sueño, una
hada real.
Para la muchacha
que miró, al escuchar el motor,
por la ventana de la cocina
En la planta baja,
Soy algo así como el príncipe que hay en los
corazones de las muchachas,
Y ella me habrá mirado de soslayo, por los
cristales, hasta la curva donde me he perdí.
¿Dejaré sueños detrás de mí, o es el automóvil que
los deja?
¿Yo, conductor del automóvil prestado, o el
automóvil prestado que yo conduzco?
En la carretera de Sintra a la luz de la luna, en la
tristeza, delante de los campos y de la noche,
Conduciendo el Chevrolet prestado desconsoladamente,
Me pierdo en la carretera futura, desaparezco en la distancia que alcanzo,
Y, en un deseo terrible, súbito, violento,
inconcebible,
Acelero…
Pero mi corazón se quedó en el monte de piedras, del
que me aparté al verlo sin verlo,
A la puerta de la casucha,
Mi corazón vacío,
Mi corazón insatisfecho,
Mi corazón más humano que yo, más exacto que la
vida.
En la carretera de Sintra, sobre la medianoche, a la
luz de la luna, al volante,
En la carretera de Sintra, que cansancio de la
propia imaginación,
En la carretera de Sintra, cada vez más cerca de
Sintra,
En la carretera de Sintra, cada vez menos cerca de
mí…
Álvaro
de Campos, in "Poemas"
Heterónimo
de Fernando Pessoa
Foto de www.clubedocarroantigo.com.br (edited by Luis Leal)
terça-feira, janeiro 20, 2015
Só as mãos verdadeiras escrevem...
"Só as mãos verdadeiras escrevem verdadeiros poemas. Não posso ver nenhuma diferença básica entre um aperto de mãos e um poema". - Paul Celan
segunda-feira, janeiro 19, 2015
Zeca e Ary... Sempre!
Há muitos anos atrás, com uma velha câmara, captei (editei) esta imagem de um video de homenagem a José Carlos Ary dos Santos. Ele e outro grande, o sempre Zeca!
domingo, janeiro 18, 2015
sábado, janeiro 17, 2015
sexta-feira, janeiro 16, 2015
quinta-feira, janeiro 15, 2015
Sentido ético da existência
José
Saramago, explicitamente ou implicitamente, recordava sempre os seus leitores
para a necessidade do nosso tempo adotar um “sentido ético da existência”,
parafraseando Fernando Gómez Aguilera “apoiado num axioma tão básico como
universal: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”.
“Quando
dizemos o bem e o mal… há uma série de pequenos satélites desses dois grandes
planetas, que são a pequena bondade, a pequena maldade, a pequena inveja, a
pequena dedicação… No fundo, é disso que é feita a vida das pessoas, ou seja,
de fraquezas, de debilidades…”
José Saramago
quarta-feira, janeiro 14, 2015
(Ótima) Educação sentimental
EDUCAÇÃO SENTIMENTAL
Filho: Pai, o que quer dizer obsessão?
Pai: Eh pá, é assim tipo quando um gajo gosta bué duma gaja.
(Escutado numa livraria aqui perto.)
Mensagem lida no blogue antologia do esquecimento
Filho: Pai, o que quer dizer obsessão?
Pai: Eh pá, é assim tipo quando um gajo gosta bué duma gaja.
(Escutado numa livraria aqui perto.)
Mensagem lida no blogue antologia do esquecimento
terça-feira, janeiro 13, 2015
O silêncio envelhecido numa sala com cheiro a fim
O silêncio envelhecido numa sala com cheiro a fim. Ressonância
da minha adolescência, com a intromissão de uma televisão, de canto, à espera
que alguém lhe ligasse para que fosse apagada da companhia que não fazia.
O silêncio interrompia-se com a vontade da dinâmica do
animador sociocultural, formado para justificar certificados de tempo
disponibilizado institucionalmente tal como os fins-de-semana, dias de
efemérides ou sortes de feriados num calendário que acabará sempre sem meses e
cuja página final despirá uma verdade como a modelo Pirelli que já não tinha
roupa.
O silêncio ensinou-me o ser velho muito novo, ainda com bandas
desenhadas a acompanhar o vazio da mochila. A mãe de um dos primeiros amores - que
só passados tantos anos de bem-quereres damos conta que isso de numerais
ordinais para a desordem relativa dos afectos, que não passa disso mesmo,
amores- disse-me que havia algo envelhecido no meu ego adolescente, pareceu-me
que com carinho e sem o despectivo hormonal que essa fase borbulhenta da vida acarreta.
O presente talvez lhe dê razão.
Em silêncio, porque não havia como o derrotar, vi o fim e
a morte próxima dos outros acompanhados pela longevidade dos meus. Aprendi a
agarrar a memória em punhados de terra que tinham o som morto de madeira oca,
mas que nos meus ouvidos ainda ecoam a pás pisadas por pés, cravadas na terra
solta da cova que a ela retorna à lei da pazada.
Deus era presença habitual no meu bairro, um vizinho mais
com quem havia que ter boas relações e muito, e bonito, respeitinho. Um vizinho
que te podia emprestar ferramentas, fazer o nó da gravata ou se ia queixar aos
teus pais se te apanhava a dizer caralhadas em voz alta.
Sempre me dei bem com a vizinhança, com deus, e talvez com
o diabo que morava no quarteirão ao lado, havia que perguntar-lhe. Era educado,
de sorriso arrumado na cara que cumprimentava e sentia que éramos todos do
bairro. Mas não gostava do nariz metido bisbilhoteiro alheio a assuntos que
nada tinha que ver com ele. Por isso nunca compreendi muito bem este vizinho
omnipresente.
Houve uma época que o visitava com frequência na sua
moradia, algo espartana mas com a sensibilidade à vista dos vitrais que me
impressionava pela transcendência. Sempre me deixou entrar e eu lembrava-me da
voz da minha mãe a dizer limpa bem os pés antes de abrir com as costas das mãos
uma fila de fitas azuis e brancas penduradas nas suas próprias dúvidas. As
minhas boas intenções de entrada não impediam o intrusismo ou altruísmo de
alguma mosca. Como muitos mais passos e entradas feitas, hoje, vejo que nos
preocupamos demasiado com solas limpas, imigração de varejeiras e temos
demasiadas certezas.
O agora quase não fala com vizinhos, fala a circunstância
noutra língua que emancipou um pensamento com vogais mais abertas e alegres. A
educação do passado persegue-me nos bons modos, a afabilidade é mais que cara…
Mais que os meus olhos, óculos de várias dioptrias azuis, que o cabelo fino
claro na evidência de ficar grisalho ou na barba da preguiça com soberba por
pensar-se com alguma erudição.
O agora. O silêncio que houve sempre. Deus em silêncio
envelhecido que sinto com a televisão acesa para sentir-se acompanhado. Escrevo
com a certeza de envelhecer ainda mais a minha adolescência.
Diário VI/I/MMXV
segunda-feira, janeiro 12, 2015
A Lady - Gomes Leal
Gomes Leal, numa caricatura de Bordalo Pinheiro
Aquela que me tem, agora, presa
Minha alma, meus sentidos, meus cuidados...
E me faz sonhar sonhos desmanchados,
É uma altiva e olímpica inglesa
Nunca tipo ideal de mais pureza
Vi nos góticos quadros mais prezados.
Seus doces olhos castos e velados
Têm um ar, infinito, de tristeza.
Tem uns gestos de deusa que caminha
Fonte grega, e um ar grande de Rainha,
E umas mãos como as ladies de Van Dyck...
Segue-a sempre um lacaio, e tristemente,
É por ela que eu morro, lentamente...
E ponho no bigode cosmétique.
António Gomes Leal
domingo, janeiro 11, 2015
quarta-feira, janeiro 07, 2015
"Malos tiempos para el humor" - El Jueves
La portada dice todo, hoy después de un atentado terrorista al periódico satírico farancés "Charlie Hebdo", esta portada de la revista española análoga, "EL Jueves", ilustra muy bien lo que Berthold Brecht decía en plena época del nazismo. Hoy se cambiaron los "ismo(s)" pero siguen siendo malos tiempos para la libertad.
terça-feira, janeiro 06, 2015
La Crisis (Nuno Júdice)
-
Tampoco es caso que se haga impresión, contestó el impresionista.
-
Talvez sea caso para dudar, dijo el agnóstico.
- Es
sí caso para creer, dijo el creyente.
- Si
es caso es casual, comentó el materialista.
Y
cuando el criado llegó a la mesa con el vino,
ya
todos se estaban pegando.
- Yo
había dicho que esto acababa mal, suspiró el pacifista.
in
“El Fruto de la Gramática”, 2014 [traducción: Luis Leal]
Balada da bicicleta com asas (Rafael Alberti -1967)
1
Aos cinquenta anos, hoje, tenho uma bicicleta.
Muitos têm um iate
e muitos mais um automóvel
e há muitos que também têm já um avião.
Mas eu,
aos meus cinquenta anos exactos, tenho só uma bicicleta.
Escrevi e publiquei inumeráveis versos.
Quase todos falam do mar
e também dos bosques, os anjos e as planícies.
Cantei as guerras justificadas,
a paz e as revoluções.
Agora sou nada mais que um desterrado.
E a milhares de quilómetros do meu formoso país,
com um cachimbo curvo entre os lábios,
um caderno de folhas brancas e um lápis
rodo na minha bicicleta pelos bosques urbanos,
pelos caminhos ruidosos e ruas asfaltadas
e paro-me sempre junto a um rio,
a ver como de deita a tarde e com a noite
se perdem na água as primeiras estrelas.
2
É roxa a minha bicicleta
e alegre e prateada como qualquer outra.
Mas quando gira o sol nas suas rodas velozes,
de cada um dos seus raios chovem faíscas
e então é como um antílope,
como um macho caprino, longo de chamas brancas,
ou um novilho de fogo que investe contra os azuis do dia.
3
Que nome lhe poria hoje, nesta manhã,
depois de me trazer,
e de me deixar sem dizer-me quase nada
ao pé destas margens de bambus e salgueiros
e olho-a adormecida, abraçada por ervas docemente,
sobre um tronco caído?
Rolieiro dos bosques.
Estrela voadora das fadas.
Teia de aranha acesa das sílfides.
Rosa dupla do vento.
Margarida bicorne dos prados.
Cabra feliz das ladeiras.
Maioral das lezírias.
Menina escapada da aurora.
Lua perdida.
Arcanjo Gabriel.
Chamá-la-ei com este frágil nome.
Porque são suas duas asas brancas que me levam
Anunciando-me o vento de todos os caminhos.
Eu sei que tem asas.
Que de noite sonha
em voz alta a brisa
de prata das suas rodas.
Eu sei que tem asas.
Que canta quando voa
adormecida, abrindo ao sonho
uma celeste senda.
Eu sei que tem asas.
Que voando me leva
por prados que não acabam
e mares que não começam.
Eu sei que tem asas.
Que o dia que ela queira,
os céus da ida
já nunca terão volta.
[Tradução: Luis Leal -2015]
segunda-feira, janeiro 05, 2015
Narciso – Samuel Chamorro
Narciso – Samuel Chamorro
Quando no teu ouvido
te seja dado o sinal
quando deixe de estranhar-te
quando não te apaixone
nem te deixe indiferente
enfrenta-te a ele
ao polido, ao espelho
mas deves de saber
que sempre
serás tu o primeiro
a
baixar
o
olhar
[trad. Luis Leal]
Foto de: www.shutterstock.com (editet by Luis Leal)
Ventos de outono – José Hierro (1947)
Viemos, alegria! dar o vento
glória final às folhas douradas.
Arder, fundirem-se os montes em labaredas
crepusculares, trágicas e sangrentas.
Gira, ascende, enlouquece, pensamento.
Hoje dá o outono soltura às suas manadas.
Não sentes ao longe as suas pisadas?
Passam, deixando o campo amarelecido.
Por isto, por sentirmos ainda
música e vento e folhas, alegria!
Por a dor que nos tem cativos,
Pelo sangue que emana da ferida
alegria em nome da vida!
Somos alegres porque estamos vivos.
José Hierro (de
“Alegria”, 1947) – [trad. Luis Leal]
Ex libris
“Ex-libris” -da expressão latina “ex libris meis”- expressa,
literalmente, "dos livros de" ou "faz parte de meus
livros", empregava-se para associar um livro a uma determinada pessoa ou a
uma biblioteca específica. Este complemento circunstancial de origem (“ex +
caso ablativo” que tive de recordar dos meus rudimentos de latim) indica que
tal livro é "propriedade de" ou obra "da biblioteca de".
Geralmente trata-se de um carimbo, um selo personalizado,
marca que escritura, sem notário, esse sentimento de propriedade, que não deixa
de ser materialismo e que não deixa de ter peso na nossa bagagem, quase sempre agradável, exceto se várias mudanças te mostram o peso literal da crença que possuir muitos livros equivale a muita cultura. A realidade lombálgica trata sempre de nos pôr no nosso lugar.
Nunca tive nenhum “ex-libris” e confesso que a minha
relação com o livro é de amor, de sensual toque, algo possessivo até, de
interesse desinteressado, invasiva de assédios de notas a divagar a lápis. Mas
com o passar dos dias mais aberta à partilha, a sair com hora e dia de regresso
-definido pela nobreza literária de a quem se empresta- à estante de origem ou
obséquio de estima porque sabemos que já nos deu tanto que é hora de mudar de
residência e, quiçá, dar ainda mais.
A presença da Elsa, o seu presente partilhado comigo
nesta época de Natal e Reis, foi carimbada no canto do meu bloco de notas que
todos os dias escrevo… Embebo o carimbo num azul de tapete de tinta e marco a
minha mais efémera propriedade, os meus livros, a minha biblioteca. Apenas
desejo que não me absorva, que não se oculte no pó dos momentos ou que a vida
me mude tanto ao ponto de deixar de acreditar que uma biblioteca tem de ser
tanto pública como respeitada, pois um livro nunca pode ser único e exclusivo
de uma criatura qualquer.
Que o ex-libris seja uma espécie de carimbo à moda de
passaporte. É isso que penso fazer e tenho aprendido de grandes amigos. sábado, janeiro 03, 2015
Seja este o verso (Philip Larkin)
Eles foderam-te, a tua mãe e o teu pai.
Eles podiam não ter intenção disso, mas foderam-te.
Eles encheram-te com as culpas que eles tinham
E juntaram algumas extra, só para ti.
Eles podiam não ter intenção disso, mas foderam-te.
Eles encheram-te com as culpas que eles tinham
E juntaram algumas extra, só para ti.
Mas por sua vez eles também se foderam
Por tontos de chapéu e casacos antiquados
Que metade do tempo eram meloso-rígidos
E outra metade atirados às gargantas uns dos outros.
Por tontos de chapéu e casacos antiquados
Que metade do tempo eram meloso-rígidos
E outra metade atirados às gargantas uns dos outros.
O homem impõe a miséria ao homem.
Aprofunda-se como um recife costeiro.
Escapa enquanto possas,
E não tenhas filhos teus.
Aprofunda-se como um recife costeiro.
Escapa enquanto possas,
E não tenhas filhos teus.
[trad. Luis Leal]
Esquece o que está feito (Philip Larkin)
Interromper o diário
Foi um choque para a memória,
Foi um começar em branco,
Já não se cicatriza
Por tais palavras, tais acções
Como um acordar do desconsolo.
Queria terminá-los,
Apressei o funeral
E relembrei
Como as guerras e os invernos
Perdidos atrás das janelas
Duma infância opaca.
E as páginas em branco?
Se alguma vez forem escritas
Que seja observando
Reincidências celestiais,
O dia que as flores brotam,
E quando os pássaros migram.
De “High Windows” (“Janelas
Altas”), 1974 [Trad. Luis Leal]
Primeira noite (José Ángel Valente)
parte-o, cega-o,
até que nasça nele
o poderoso vazio
do que nunca poderás nomear.
Sê, ao menos,
a sua eminência
e ossos partidos
da sua proximidade.
Que se faça noite. (Pedra,
nocturna pedra só.)
Alça-se então a súplica:
que a palavra seja somente verdade.
De “A Modo de
Esperança” [Trad. Luis Leal]
sexta-feira, janeiro 02, 2015
Certeza (Octavio Paz)
Se é real a luz branca
De este candeeiro, real
A mão que escreve, são reais
Os olhos que veem o escrito?
De uma palavra à outra
O que digo desvanece-se.
Eu sei que estou vivo
Entre dois parênteses.
De este candeeiro, real
A mão que escreve, são reais
Os olhos que veem o escrito?
De uma palavra à outra
O que digo desvanece-se.
Eu sei que estou vivo
Entre dois parênteses.
de "Salamandra" [trad. Luis Leal]
quinta-feira, janeiro 01, 2015
Una cuestión de tiempo (Nuno Júdice) in "O Fruto da Gramática"
Del otro lado de la casa, los niños juegan con el tiempo
que corre para que ellos no jueguen con él. En la casa
al lado, un perro ve el tiempo a pasar y le ladra
para que él huya como si fuera un ladrón. En la calle, el mendigo
pide a toda la gente la limosna de un tiempo, y toda
la gente dice que no tiene tiempo para darle. En el café, pido
una taza de tiempo, corto y bastante fuerte
porque no tengo tiempo para dormir, pero
a mi lado hay quien pida una taza bastante llena
de tiempo para que el tiempo se tarde en beber. Hay
quien corra por falta de tiempo, y el tiempo va
detrás de él para cogerlo. En el metro, la chica
cruza el andén, despacio, como si tuviera más tiempo
que todos los que cuentan el tiempo para
que no se les descuente en el tiempo. Y cuando me preguntan
si tengo tiempo, miro el reloj, como si él
estuviera lleno de tiempo, y pido que quiten de dentro
de él todo el tiempo, y que lo vacíen hasta el último
segundo, para que me quede con tiempo para
que vea cuanto tiempo ya pasó.
que corre para que ellos no jueguen con él. En la casa
al lado, un perro ve el tiempo a pasar y le ladra
para que él huya como si fuera un ladrón. En la calle, el mendigo
pide a toda la gente la limosna de un tiempo, y toda
la gente dice que no tiene tiempo para darle. En el café, pido
una taza de tiempo, corto y bastante fuerte
porque no tengo tiempo para dormir, pero
a mi lado hay quien pida una taza bastante llena
de tiempo para que el tiempo se tarde en beber. Hay
quien corra por falta de tiempo, y el tiempo va
detrás de él para cogerlo. En el metro, la chica
cruza el andén, despacio, como si tuviera más tiempo
que todos los que cuentan el tiempo para
que no se les descuente en el tiempo. Y cuando me preguntan
si tengo tiempo, miro el reloj, como si él
estuviera lleno de tiempo, y pido que quiten de dentro
de él todo el tiempo, y que lo vacíen hasta el último
segundo, para que me quede con tiempo para
que vea cuanto tiempo ya pasó.
[Traducción: Luis Leal]
Apaixonada por outonos e entardeceres - Maria Victoria Moreno
Peregrina nas pastagens da vida
Procura-te no temor do anoiteceres
Fragâncias velhas de ilusões e amores.
Sorriram para ti todas as flores,
Fez-se a árvore na tua ferida
E, por claras estrelas, a alma adormecida
Foi desde o abismo aos altos miradouros.
Inefáveis paisagens de harmonia
Abriram-se ante ti como um presente
Em volutas de lua opalescente.
Desposaram-se em suave melodia
As pétalas de luz, a paz do relento
Com teu corpo, já lírio evanescente.
Maria Victoria Moreno (trad. Luis Leal)
Maria Victoria Moreno, nascida em 1939 em Valencia de Alcántara e finada em Pontevedra no ano de 2005, foi uma poetisa e escritora que me foi dada a conhecer por José Antonio Santiago e que espero poder vir a conhecer melhor e, quem sabe, traduzir mais algumas das suas palavras.
V - Um insecto (Samuel Chamorro)
Um insecto
agónico, no vidro:
limite impossível.
Um insecto
absorto, no espelho:
impossível limite.
Samuel Chamorro (trad. Luis Leal)
(Foto de: http://devotions4women.com/2012/06/11/the-bug-on-my-window/ - Edited by Luis Leal)