Nunca me despertou demasiado interesse. Reconheço. São poucas as obras que terminei de Saramago e recordo-me particularmente do “Ensaio sobre a Cegueira” que, a páginas tantas, me deprimiu como apenas me deprimira “A Peste” de Camus. Mas é verdade, deveria ter prestado mais atenção à sua obra e não fosse eu um alentejano a quem tanto sentido encontra no “Levantado do Chão”.
As suas “Pequenas Memórias” voaram para a Hungria nas mãos de um bailarino da companhia nacional de bailado com quem me cruzei há uns anos no Caminho de Santiago. Foi uma oferta que não sei se alguma vez foi lida. Esse regresso à Azinhaga dos avós do escritor, em tom auto-biográfico, acompanhou-me em castelhano porque me apeteceu. Para alguns é uma estupidez ler uma tradução quando se pode ler o original, mas neste caso lemos algo mais, um amor tardio por a península, uma jangada que o levou às terras negras de Timanfaia, timonada por um Pilar que foi marcante no seu Nobel percurso.
Mas este ateu que escreveu evangelhos, a quem nunca reconheci particular simpatia (nem humildade), cruzou-se comigo há quase 12 anos. Melhor, cruzou-se com Santo Anselmo e o seu “Proslogion”, obra que tenta justificar racionalmente a existência de Deus, na ironia de uma sessão de autógrafos. Lembro-me da minha vergonha de estar presente, acabado de sair da aula de filosofia, sem possuir um só exemplar de uma obra do recente Nobel. Apesar de não primar pelos sorrisos, Saramago manifestou interesse pelo meu livrito usado e sublinhado nas aulas da “amizade pelo saber”. Não se negou a autografá-lo e ainda hoje guardo com orgulho o meu “Proslogion”.
Nesta semana de Junho a morte não teve intermitências e mediatizou-se pela derradeira vez o seu nome e palavras. Vão-se vender mais livros, as polémicas sempre ajudaram os mercados editoriais. Hoje, José, tiro-te o chapéu e prometo-te que te vou dar o devido valor. Como? Lendo e relendo o que por cá deixaste. Esta é a flor que deixarei debaixo da árvore do teu quintal.
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