terça-feira, julho 30, 2019

"Em Silêncio" - Thomas Merton (1915-1968)


"Em Silêncio" - Thomas Merton (1915-1968)

Não te mexas,
ouve as pedras do muro.
Fica em silêncio, estão
a dizer o teu

nome.
Ouve
a vida dos muros.
Quem és tu?
Quem
és? De quem
és silêncio?

Quem (não fales)
és tu (tal como não falam
estas pedras). Não
penses no que és,
menos ainda no que algum dia pudesses ser.
Em vez disso,
sê o que és (mas quem?), sê
o impensável
que não conheces.

Ah, cultiva a quietude, enquanto
ainda estás vivo,
e vivem todas as coisas ao teu redor,
falando-lhe (não as oiço)
ao teu próprio ser,
falando pela boca do Desconhecido
que está em ti e nas próprias coisas.

“Serei, como elas,
o meu próprio silêncio:
e em verdade isso é difícil. O mundo
inteiro está secretamente em chamas. As pedras
ardem, inclusive as pedras
me abrasam. Como pode um homem
            permanecer calmo
a ouvir todas as coisas a arder? Como se pode
            atrever a
sentar-se ao seu lado, quando
todo o seu silêncio
é fogo?”.

(Versão de Luis Leal)

Thomas Merton (1915-1968)


Oh!



Do grande fotógrafo brasileiro Thomaz Farkas (1924 - 2011)





sábado, julho 27, 2019

Apeadeiros de minúsculas devoções...





«Do I contradict myself?»

«Do I contradict myself? Do I contradict myself? Very well then I contradict myself, I am large, I contain multitudes.» Eis a imagem que tenho da poética de Walt Whitman. Pessoa encontrou no nova-iorquino uma irmandade que se desdobrou em heteronímia e que marcou a modernidade. Olho-os e o espectro é imenso, genial, brilhante. Porém, a minha visão do mundo cada vez mais sofre com o excesso de luz, tem dificuldade em focar-se em tantas imagens, em tantos pontos de merecida atenção. 
Ser tudo e toda a gente, ser ou conter multidões já não é para mim (se é que alguma vez o foi e hoje o posso contradizer).
Estar entre magotes de gente leva-me à perdição do eu. Ser uma multidão é a minha impossibilidade de ser sequer uma tentativa de encontrar um qualquer eu.

quarta-feira, julho 24, 2019

Crónica: "Iberismos" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº149, p.52)



Pensei: “Os Filhos de Oliveira Martins” até era um bom título para esta crónica, faço um jogo de palavras entre o legado do escritor e uma das suas mais célebres obras “Os Filhos de D. João I”... Depressa me apercebi que poderia induzir o meu caríssimo leitor em erro e remetê-lo para essa realidade portuguesa (e espanhola também!) de um apelido valer bastante mais do que um curriculum de excelência.

Contudo, não é sobre endogamia sistémica que para aqui chamo o apelido Oliveira Martins. Há outros bem mais sonantes que os do senhor Joaquim Pedro, o que não impede de estarmos perante uma das figuras-chave da historiografia portuguesa e do iberismo de toda a Península.

E, já que estamos a falar de iberismo, remeto-vos, grosso modo, para três tipos: o iberismo económico (de livre passagem aduaneira, tipo o “Zollverein” alemão); o político (monárquico, com fusão das coroas, ou republicano, a tender para o federalismo); e o cultural, que encontramos associado a Oliveira Martins. Isto, logicamente, se abdicarmos do prefixo “anti” antes de iberismo, esquecendo antagonismos quezilentos.

Com apenas 25 anos, Oliveira Martins, devido à falência da empresa em que trabalhava, ruma a Espanha para exercer funções de administrador da portuguesa “Companhia de Minas de Santa Eufémia”, em Córdova. Aí, a sua experiência vital de quatro anos converter-se-á nessa aventura intelectual, de 1879, intitulada “História da Civilização Ibérica”, cuja essência encontramos condensada neste fragmento:

“Se a geografia é a nosso ver uma causa das graves diferenças que, segundo as regiões, distinguiram os espanhóis na história e os distinguem ainda hoje, mantendo visíveis caracteres etnológicos nem sempre fáceis de determinar nas suas afinidades, essa causa não basta para que, acima de tais diferenças, a história nos não mostre a existência de um pensamento ou génio peninsular, carácter fundamental da raça, fisionomia moral comum a todas as populações de Espanha; pensamento ou génio principalmente afirmado, de um lado no entusiasmo religioso que pomos nas coisas da vida, do outro no heroísmo pessoal com que as realizamos. Daqui provém o facto de uma civilização particular, original e nobre”.

Identificados os fragmentos da Península Ibérica, reconhecidas as brechas, o autor concilia num iberismo que une, mas não uniformiza. É nesta união cultural que reside o seu “génio peninsular”, cujo entusiamo e atrevimento nos levou além de Finisterra. Este iberismo não invalida a integridade territorial e a separação política das nações ibéricas, sendo Portugal paradigmático. A autonomia lusa reside na vontade política de independência e não em supostas diferenças raciais com os restantes povos ibéricos.

Apesar de Oliveira Martins jamais preconizar futuras uniões políticas, nunca deixou de interrogar o porquê da inviável união ibérica, questionando o tradicional nacionalismo português como superação do espírito anexionista de Castela.

Há anos, num casamento, alguém, ao aperceber-se da minha vida se haver encaminhado para Espanha, me chamou traidor. A piada travestia desdém e desconsideração. O meu desprezo costuma imperar, mas a agressividade de outrem atacou afectos indefesos além da fronteira e ecoou, sem sabê-lo, na vida futura dos meus filhos, hoje, tão espanhóis como portugueses. A réplica fez-se com poucas sílabas de boa gíria náutica...

Sei que, nesse momento, o meu iberismo se fez consciente. Também eu, com pouco mais de 25 anos, tal como Oliveira Martins, vi o meu advir da vida, de ter nascido numa cidade à medida do homem, que não nos esconde o que somos. Évora é lusitana, latina, árabe e cristã e fez de mim um rafeiro alentejano, cioso do seu território, da sua intra-história, porém, cujo rosnar protector da singularidade peninsular em nada se distingue de um “mastín” espanhol, de um “can de palleiro” galego, de um “euskal artzain txakurra” e de um “gos d'atura català", vasconço e catalão, respectivamente. Fiéis às cicatrizes da Ibéria, e aos sonhos imprecisos de qualquer rebanho/nação, guardamos uma civilização!

"Iberismos" de Luis Leal