terça-feira, março 30, 2021

Compreender talvez não seja o verdadeiro verbo. Interpretar parece-me cada vez mais o predicado adequado.

"A Humanidade não conhece a Natureza" - Masanobu Fukuoka (in "A Revolução de uma Palha")

"Por que razão é impossível conhecer a Natureza? Aquilo que concebemos como sendo a Natureza não passa da ideia de Natureza que emana da inteligência de cada um. Quem vê a verdadeira Natureza são as crianças. Elas vêem sem pensar, de forma nítida e clara. Mas a partir do momento em que ficam a conhecer nem que seja o nome das plantas, uma tangerineira da família dos citrinos, um pinheiro da família dos pinheiros, deixam de ver a Natureza na sua verdadeira forma.
Um objecto visto isoladamente do todo não é o ser verdadeiro."

Masanobu Fukuoka [1975], Revolução de Uma Palha, Porto, Via Óptima, 2014, pp. 27-28.

quinta-feira, março 25, 2021

Primeira lição (Lêdo Ivo)

 

 PRIMEIRA LIÇÃO

Na escola primária
Ivo viu a uva
e aprendeu a ler.

Ao ficar rapaz
Ivo viu a Eva
e aprendeu a amar.

E sendo homem feito
Ivo viu o mundo
seus comes e bebes.

Um dia num muro
Ivo soletrou
a lição da plebe.

E aprendeu a ver.
Ivo viu a ave?
Ivo viu o ovo?

Na nova cartilha
Ivo viu a greve
Ivo viu o povo.

Lêdo Ivo

 

domingo, março 21, 2021

Excerto de "O que é um pai" - José Tolentino Mendonça (19/III/2021)

A cultura contemporânea não facilita, em nenhum modo, este reencontro [entre pai e filho], pois passou de uma demolição sistemática a uma estratégia (e eficaz) operação de evaporação do pai. Hoje, não existe propriamente uma rebelião contra a figura do pai, como em outras épocas do passado. A estratégia é antes a de agir como se o pai, e o que ele representa, tivessem sido removidos. Essa é, em grande medida, como bem o explica o psicanalista Massimo Recalcati, o artifício forjado pelas nossas sociedades quando impõem o consumo como padrão da felicidade. O desejo torna-se uma espécie de mantra omnipresente, que a publicidade repete sem cessar para alimentar o circuito insomne do consumo. Mas o seu efecto exasperado é paradoxal: obsidiados pelo transe do consumo desejamos tanto que já não somos capazes de desejar. De facto, o desejo precisa da iluminação que é trazida pela lei. A conclusão, também sí, é que não podemos viver plenamente sem integrar a relação com o pai e o que ele significa.

José Tolentino Mendonça, "O que é um pai", E - A Revista do Expresso, 19/III/2021, p. 90.

sexta-feira, março 19, 2021

Dia do Pai

O meu filho mais velho celebrou o "Dia do Pai" na sua sala de aula de primária, o meu mais novo não. Até aí nada de especial, opções ou calendário, penso eu e não me importa. Porém, não posso deixar de sentir que estamos a levar as ideologias ("ismos" que, por vezes, apregoamos em ignorância) demasiado longe e, em prol de pretensas inclusões, continuamos com as exclusões, perdemos perspectiva e cada vez mais nos parecemos a uma sociedade de toupeiras, cegas, contudo, sem instinto, chocando umas com as outras num subsolo bastante estéril.
Fico-me pelo Cat Stevens, esse artista convertido ao Islão, num dos mais belos diálogos da história da música entre um pai e um filho, que conheci graças às k7s do Sr. Hipólito. Penso nos meus avós Ventura e João, no meu pai, nos meus filhos e na minha condição imperfeita porque sou humano, não porque sou homem.

Mi hijo mayor celebró el "Día del Padre" en su clase de primaria, mi más pequeño no. Hasta aquí nada de especial, opciones o calendario, pienso yo y no me importa. Sin embargo, no puedo dejar de sentir que estamos llevando las ideologías ("ismos" que, por veces, pregonamos en ignorancia) demasiado lejos y, con el objetivo de pretensas inclusiones, seguimos con las exclusiones, perdemos perspectiva y cada vez más nos parecemos a una sociedad de topos, ciegos, sin embargo, sin instinto, chocando unos con los otros en un subsuelo bastante estéril.
Me quedo con Cat Stevens, ese artista convertido al Islam, en uno de los más bellos diálogos de la historia de la música entre un padre y un hijo, que conocí gracias a las cintas del Sr. Hipólito. Pienso en mis abuelos Ventura e João, en mi padre, en mis hijos y en mi condición imperfecta porque soy humano, no porque soy hombre.

quarta-feira, março 17, 2021

Un lugar en nuestro pequeño mundo...

Un lugar en nuestro pequeño mundo donde el mundo, sencillamente, es mejor...
Um lugar no nosso pequeno mundo onde o mundo, simplesmente, é melhor... 


terça-feira, março 16, 2021

Tempos de (auto) censura

Um dos indícios de como a liberdade anda adoentada, e com riscos de a encontrarmos morta aí por qualquer esquina, reside no facto de muitos homens (e mulheres - não se vá interpretar a publicação em termos de "género") livres cada vez mais se autocensurarem. A autocensura é a forma mais eficaz da censura porque não necessita investimentos em recursos humanos, em infraestruturas e logística. As polícias políticas, os tribunais de inquisição, os julgamentos sumários, os Torquemada e os lápis azuis, estão instalados no nosso raciocínio e mandam nos nossos enunciados sobre tudo e mais alguma coisa por esse território difícil de coloniza: o dos neurónios.
No entanto, cá fora a verdadeira liberdade está proscrita, travestida em ignorância (lembrei-me do slogan acéfalo da alcaldesa de Madrid "Socialismo ou liberdade"...)longe de ambientes de discussão, contraste, dialécticas. Adoentada, exilada, vai paliando as suas dores em manchas negras, em locais sem cobertura mediática e sem redes sociais. Já escrevi demais...

domingo, março 14, 2021

A maior estupidez humana é alguém identificá-la e pensar estar isento do estatuto de estúpido.

Uma certa inveja deste Gato Vader

Apesar da minha condição canina, leal à canzoada com a qual me encontro sempre bem acompanhado, os gatos fascinam-me, como o Gato Vader do meu filho (é óbvio o porquê do nome), e confesso ter uma certa inveja desta independência felina...
A pesar de mi condición canina, leal a los perrunos con los cuales siempre me encuentro bien acompañado, los gatos me fascinan, como el Gato Vader de mi hijo mayor (es obvio el porqué del nombre), y confieso tener una cierta envidia de esta independencia felina...

quarta-feira, março 10, 2021

As "Irmandades da Fala" ao Povo Galego

Não sei se este panfleto é herdeiro do espírito de Vicente Risco e da revista "Nós", mas este tipo documentação tem o seu valor historiográfico no âmbito do galeguismo e de como houve uma aproximação, por parte das “Irmandades da Fala”, ao espaço da lusofonia, como podemos comprovar neste manifesto firmado em Janeiro de 1983. Andava esquecido dentro de um livro de um amigo e eu publico-o aqui, como uma espécie de arquivo digital, na esperança de ser útil para os estudos ibéricos.



quarta-feira, março 03, 2021

“VII Premio Hispano-Portugués de Poesía Ángel Campos Pámpano”

Tenho muitíssimo orgulho em continuar a colaborar com a Associação “Vicente Rollano” de San Vicente de Alcántara e poder acompanhar um ilustre júri que mantém viva a memória do poeta Ángel Campos. Se trabalham ou estão em contacto com gente jovem, por favor, ajudem-nos a divulgar este “VII Prémio Hispano-Português de Poesia Ángel Campos Pámpano”. Em sintonia com a perspectiva de Nuccio Ordine, estes tempos demonstraram-nos que a lírica, na sua enorme inutilidade, é profundamente útil para que continuemos a ser humanos.

Me enorgullece muchísimo seguir colaborando con la Asociación Vicente Rollano de San Vicente de Alcántara y poder acompañar a un ilustre jurado que mantiene viva la memoria del poeta Ángel Campos. Si trabajáis o estáis en contacto con gente joven, por favor, ayudadnos a divulgar este “VII Premio Hispano-Portugués de Poesía Ángel Campos Pámpano”. En sintonía con a la perspectiva de Nuccio Ordine, estos tiempos nos han demostrado que la lírica, en su enorme inutilidad, es profundamente útil para que sigamos siendo humanos.