«Estamos saindo para o almoço no restaurante da Mimi, no Parque Mayer, Zélia chama-me a atenção: olha quem está ali. Olho, vejo Gilberto Freyre reclinado num dos sofás do hall do Hotel Tivoli, a seu lado Madalena. Dirigimo-nos para eles.
«Gilberto acaba de chegar da Espanha [...]. Noto-o cansado, tomado pela gripe, está com baixo astral, a gripe derrota qualquer um. [...]
«Quis saber onde íamos almoçar: a gripe o deixava com fastio, sem apetite, no entanto [...] devia alimentar-se [...]. Vamos à Mimi, dissemos, expliquei-lhe o Parque Mayer e o restaurante Amadora, o encanto das três irmãs, Glória, Amadora, Mimi, a ementa caseira, a freguesia de gente de teatro e de imprensa, não figurava nos guias de turismo, mas que requinte de cozinha! Se desejam provar, venham connosco.
«O fastio desapareceu assim Gilberto Freyre saboreou a primeira colher de açorda, seguiu-se o peixe, robalo cozido com couve e batatas, para equilibrar Glória pôs na mesa frango corado com arroz de manteiga, Gilberto chamando a si entre suspiros, e os queijinhos frescos e os pastéis de nata e o arroz doce para finalizar à portuguesa. Não está nos guias de turismo? Pois devia estar, protestou o mestre do Recife degustando o cálice de ginginha, oferta da casa.
«Durante os cinco dias de anonimato em Lisboa, Gilberto e Madalena foram habitués do restaurante Mimi do Parque Mayer. A gripe curou-se ao caldo verde, apetite devorador sucedeu ao fastio, que fastio pode resistir ao rim de porco assado na brasa, especialidade de Amadora? Que apetite não se abre de entrada às pataniscas de bacalhau servidas por Glória? Sem contar à sobremesa as recordações de Mimi, ex-corista do teatro de revista − ainda não perdeu a graça juvenil.»
Jorge Amado, Navegação de Cabotagem (1992)