Natal num Centro Comercial (às
moscas)
Os motivos que
me levam a estar aqui podem ser considerados de várias maneiras. Tristes é uma
delas, egoístas, outra, e parvos também pode ser uma consideração para a minha
presença, neste dia de Natal, num centro comercial, às moscas, mas com todas as
luzes da quadra e com boa música natalícia a acompanhar-me pelas colunas do Shopping.
Admito todos os
motivos, e mais alguns que existirão e os meus olhos não reconhecem. Carrego-os
comigo e não os atribuo a mais ninguém. Aceito não poder falar pela consciência
dos outros, apenas pela minha. Estou aqui por opção. Nesta época do calendário
(e da minha vida), estou convencido que qualquer tristeza minha, egoísmo e
parvoíce das situações devem ser superadas por uma tranquilidade de espírito e
uma exigência de conduta que não leve os outros a perderem tempo comigo e,
consequentemente, eu a perder tempo com eles.
É justo. A minha
família nuclear entende-o e respeita-o. A família acessória, tal como os
acessórios que vou dispensando na vida, continua como tal, acessória. Não a
ostento, não me adorno com ela, nem lhes exijo outro estatuto para além do
figurativo. Sei que eles estão conformes com estas circunstâncias. Reconheço não
ser grande coisa para os acompanhar e ser um chato, um desses, nada
interessantes, com tendências a emocionar-se com a inutilidade que,
perfeitamente, rima com futilidade.
Por isso estou
aqui. Um bocado envergonhado por trazer o lanchinho na mochila e ser visto
pelas câmaras de segurança. Pensarão em mais um pobre desgraçado sem afectos,
sem ninguém com quem partilhar o almoço no dia de Natal.
Uma vez mais,
aqui se revela a minha parvoíce. Tendo a analisar a minha vida segundo as vidas
ao magote e segundo aquilo que se quer socialmente transparecer. É difícil não
o fazer.
Tal como é
difícil viver sem se fazerem fretes. É algo imposto por educação. Faço alguns
sem grandes problemas e hei-de fazer muitos mais se a vida assim mo permitir,
há até alguns que considero uma espécie de caridade. Porém, parece-me que a
idade começa a ser selectiva em relação a muitas imposições. Não por sabedoria,
como muitos dizem, mas por biologia. Quando se é mais jovem tem-se corpo e
estômago para tudo e eu já sinto um certo reumatismo em relação ao frio de
certas relações humanas.
Isso leva-me a
estar aqui, abrigado num centro comercial, com tudo fechado com excepção do
cinema – à espera de abrir a bilheteira para poder ir ver mais um episódio da
minha telenovela galáctica favorita. Entram e saem famílias à procura de
restaurantes abertos e acerca-se-me a senhora da limpeza a dizer-me:
- Você é que
está bem! Aqui ninguém o chateia!
Estabeleço
diálogo com alguém que provavelmente até quereria estar em casa com os seus e
pergunto-lhe se na mesa onde estou sentado incomodo o seu trabalho. Diz-me que
não, original, com o seu cabelo tingido de azul. E continuou, escova na mão, a
limpar os abajures que iluminam a zona de restauração deserta.
Tal como a
sandocha envergonhada, escondida na mochila, envergonhei-me de lhe confirmar o
meu bem-estar. Estou muito bem, em paz com o dia de Natal e comigo mesmo.
Envergonhei-me porque milhões de pessoas nem sequer têm de fazer fretes. São,
simplesmente, obrigadas a aguentarem abusos do patrão, da família, da sociedade
e não se lhes reconhece o direito ao descanso, à família ou à paz da solidão
por opção.
Tenho sorte.
Muita sorte. Opto por não passar este dia com aqueles que a mudança de estado
civil me impôs, com a compreensão de quem amo. Esta opção não tem o mais mínimo
rancor, apesar do passado o reconhecer e não o esconder. Esta opção foi tomada
ao abrigo de uma vivência baseada no amor-próprio. Para que os outros estejam
bem, eu tenho de estar bem.